QUAL O SEXO DOS POMBOS
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Os Vagões da Linha 777
GABRIEL PONTES
Certo dia sentou-se no
banco da praça, acendeu a metade que sobrou de seu charuto e deu algumas
baforadas. Meteu a mão em um saco de papel cheio de migalhas de pão para
alimentar os pombos. Deu outra baforada, e sua fumaça atribuía gentis tons
alaranjados quando era refletida pelos raios do sol que estava perto de se pôr.
À sua frente, em um pequeno
lago onde patos e marrecos nadavam, ilhava uma choupana feita em madeira
envernizada, situada bem no meio, cujo único caminho que os levava até lá era
uma ponte de madeira enfeitada pelas trepadeiras que nasceram por ali. E lá um
casal, sentados um de frente para o outro, acariciavam-se com ternura.
Mesmo que ainda lhe
causasse certa estranheza, veja bem, considerando seus cinquenta e poucos anos
e todos os conceitos de sua criação machista, não lhe incomodava ver dois
rapazes em uma demonstração tão meiga de afeto. Continuou alimentando os pombos
até que, de rabo de olho, notou a aproximação do guarda da praça, que vinha
rodando o cassetete na mão, com passos firmes e metódicos como se fosse o
marechal do exército de guardinhas do parque.
Sentou-se
de pernas arreganhadas, enchendo a mão direita com as partes, acomodando-as.
— Está vendo que absurdo? – o guarda iniciou a
conversa.
— Oi, boa
tarde. Do que estás falando?
— Todos os
dias esses dois ficam aqui se pervertendo! Ah se eu pudesse tirá-los daqui!
—
Perversão?! — repetiu e olhou novamente para o casal
— Mas o que eu vejo são apenas duas pessoas
trocando afeto. Que mal há nisso? — Sim, mas são dois homens. Isso é nojento!
Desde quando afeto de homem é beijo na boca? Se fossem meus filhos daria uma
surra pra voltar a ser homem. — falou o guarda de forma ríspida.
— Mas eles
são homens ainda… Não são? — O senhor tá frescando com a minha cara? Homem não
beija outro homem, meu senhor! Onde o senhor, na sua idade, dá época de meu
pai, da época boa do passado, há de concordar com isso?
— Não
concordo. — respondeu para a surpresa do guarda. — Mas como assim? Eu já tava
pensando que tu era um velho bicha também, pra defender esses promíscuos. —
nesse momento deu uma puxada bem forte no charuto, fechando um olho e com o
outro o encarando. Tão forte foi a puxada que a brasa ficou estridente.
— Não quis
ofender ao senhor! — iniciou o guarda ao notar seu descontentamento, e enquanto
ele falava, voltou a jogar farelos aos pombos
—
Brincadeira de homem! É que me tira do sério ver esse pessoal aqui na minha
praça, no meu turno. Aproveitando da casinha pra trocar beijinho e à noite ir
pro motel ali do lado como homem e mulher, que é o certo, mas tão fazendo
errado. — fez uma pausa para cuspir e retomou
— E o
senhor, por que diz que não concorda? Como funciona isso? Ou gosta ou não
gosta, né não? — Meu caro, veja esses pombos — apontou para uns 10 pombos que
se alimentavam — Me diga como posso identificar quais desses são machos e quais
desses são fêmeas?
— Ora,
claro, os mais parrudos é os machos e a menos parrudas é as fêmeas — respondeu
o guarda sem entender o porquê da pergunta.
— Certo, agora veja aqueles dois
ali, separados do grupo, são iguais em tamanho, tonalidade, e comportamento.
Dentre esses dois, qual é o macho e qual é a fêmea?
— Aí o
senhor complica. Como é que eu vou saber? Pode ser os dois, tanto macho como
fêmea. — Então, você usou uma forma heteronormativa pra definir o que é macho e
o que é fêmea.
— E agora
quer complicar? Tu não tá vendo que é macho o mais parrudo e é fêmea a menos
parruda? — É exatamente isso que a heteronormatividade faz a gente pensar. É
nisso que crescemos, fomentados por essa ideia de que carro é de menino, boneca
é de menina; azul é de menino e rosa é de menina. De fato não faz diferença
nenhuma para mim, e creio que também para o pombo, se o que está ao seu lado,
naquele momento e naquela circunstância, com a mesma cor, o mesmo tamanho a
mesma postura, aparenta ser macho ou fêmea. Sei que são dois homens, como o
senhor falou — continuou enquanto o guarda o olhava desconfiado —, mas não vejo
certo ou errado nisso.
Tudo só me
leva a crer que dar essa importância toda em torno do gênero a ponto de
desclassificar e julgar alguém como certo ou errado, superior ou inferior, é
uma patologia humana.
— Mas o
pastor disse que o sexo tem sua função, segundo a bíblia. É de gerar filhos e
constituir uma família! — Então toda vida que tu transa com uma mulher tu tem
um filho com ela? — Deus me livre! Prefiro socar punheta do que ter mais um,
tenho seis já.
— É, você
não me parece um homem religioso. Mas essa questão levantada pela igreja, da
construção da família, a meu ver é bobagem. Há tantas famílias de héteros
completamente desestruturadas… Educação, honestidade, clareza, responsabilidade
é que faz uma família e não os personagens que a compõe.
— Tá, mas
e o que tem a ver os pombos com aqueles dois ali?
— Bom, foi
a forma mais rápida de te dizer que não podemos julgar uma pessoa como inferior
ou como errada somente pela forma que ela se veste ou pelo seu comportamento.
Pombos independentemente do sexo, da cor ou do tamanho continuam sendo pombos.
Nós independentemente da cor, da opção sexual, tamanho ou idade, continuamos
sendo humanos. E é isso que vale.
— Mas tu
defende muito bem pra quem não concorda viu? — Não sou obrigado a concordar,
nem achar normal, assim como não concordo e não acho. Digo isso baseado nos
meus conceitos que julgo serem os certos, baseado nas experiências que adquiri
ao longo dos anos.
Eles provavelmente se baseiam nos seus conceitos e
experiências para julgarem o que é certo e errado. Não sou eu que vou fazer
isso por eles, vivo minha vida e pronto! – tentou encerrar o assunto e se
afastou, mas o guarda o seguiu.
— Mas isso é ser homofóbico! Outro dia, disse
na comissão dos guardas que não tinha nada contra, contanto que fosse bem longe
de mim, como o senhor disse agora. E todo mundo me olhou torto.
— Eu não disse isso, existe uma diferença
sutil. Veja bem, hoje em dia está difícil se posicionar. Principalmente porque
vivemos em uma sociedade que quer uma resposta definitiva e um posicionamento
concreto para todos os conflitos existentes. Você não pode não concordar e
respeitar. Ou você concorda ou discorda. E essas duas palavras tem significados
limitadores.
— Rapaz,
contanto que fiquem bem longe de mim! — desdenhou. — Eu acredito que discordar
seja um direito seu, a meu ver você não será uma pessoa ruim por isso, o que te
torna ruim é ser desrespeitoso. Dizer que não tem nada contra e os querer longe
não é sinal de respeito, e sim de intolerância. Muitas pessoas usam desse
argumento para se manter em cima do muro. Essa é a frase mais contraditória que
já ouvi. Se eu disser que concordo, para ser aceito, estaria mentindo, mas não
me importo com o que cada um quer fazer da sua vida, longe ou perto de mim,
contanto que haja respeito em ambos os lados.
— Mas olha
lá! — apontou para o casal interrompendo seu discurso — Vão se engolir, só
pode! Vou lá acabar com isso! — mas foi impedido por ele que segurou o braço do
guarda.
— Me diz
uma coisa. Por que tu estás indo lá? — Ô pergunta besta da porra, tá vendo que
tem um bando de criança pequena aqui não?
— E se
fosse um casal de héteros, homem e mulher, como preferir, você deixaria? —
perguntou enquanto o outro guardava o cassetete.
— Não vejo problema! — Então não está sendo
correto! Deverias, ao invés de pensar em quem são os protagonistas, pensar na
cena. Não é o que eles representam por serem gays, mas é pela falta de pudor
que é crime pelo código penal independente do sexo. Um casal de héteros é tão
desrespeitoso dando esses tipos de amassos, em praça pública, quanto um casal
gay. Se quiseres ir lá em defesa do pudor, vá; se não, fique aqui e largue de
ser besta, deixa o povo namorar em paz! – concluiu.
Para amenizar a situação, o casal,
envergonhado ao ver a reação do guarda, se conteve.
— Taí uma coisa que eu nunca vou entender!
Nunca vi um coroa tão esclarecido como tu. Teus filhos devem ser felizes, né
não? — São sim, tenho dois do primeiro casamento e um mais novo do segundo. — E
se ele virar gay? Tu vai vir com esse papo novamente?
— Se um
dia meu filho assumir essa opção, será a escolha dele. Também acredito que ele
não vai ‘virar’. Se ele tomar essa decisão é porque sempre foi, porém só agora
se entendeu, se encontrou, e estaria bem consigo mesmo, feliz, que é o que mais desejo aos meus filhos, a
felicidade. Sua coragem superará qualquer frustração que possa ocorrer. Não
estou dizendo que seria fácil para mim, mas como já lhe disse, não sou eu quem
vai julgar.
— É velho, tu é esperto, mas não entra na
minha cabeça esse negócio de homossexualismo.
— Bom, não sou um militante
GLBTT. O que quis com essa conversa prosaica – notou que havia se estendido
– em resumo, é dizer que ninguém tem
nada a ver com a vida do outro, e que a vida é curta demais para perdermos
tempo odiando o que é diferente.
A
homoafetividade, se me permite lhe corrigir com o termo correto, não é sinal de
promiscuidade, nem mesmo um segmento, uma nova espécie dentro da raça humana.
Somos todos de carne, osso, e seremos enterrados na mesma terra.
— Nunca
pensei por esse lado. — confessou.
— O
importante é saber quem você é independente de tudo, e saber em que você
contribui positivamente para o mundo. Nunca precisei de experiências
homossexuais para saber que sou hétero. Assim como quero que respeitem meu
direito de ser, devo respeitar o direito deles de ser o que bem entenderem!
Ponto final. — concluiu de maneira ríspida para encerrar o assunto.
— Tá, tô sabendo agora. – falou o guarda
reflexivo. — Então, deixe-me ir – despediu-se enquanto apagava o pito do
charuto e via o guarda, iluminado pelos últimos raios de sol, observando o
casal abraçado, vendo o sol se pôr, e depois olhando para os pombos. Olhava o
casal e olhava os pombos, coçava a cabeça como se refletisse sobre tudo aquilo
que lhe foi dito. Não resistindo à curiosidade o senhor perguntou:
— Seu guarda, já sabes qual é o pombo macho e
o pombo fêmea? — Não faz diferença, velho. – respondeu após alguns segundos de
silêncio absoluto – É tudo pombo, é isso que importa.
Revisão:
Gabriela Rocha
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Os Vagões da Linha 777
Gabriel
Pontes
Quando
deu por si, estava em pé numa estação de trem, seu corpo estava dormente, mas
ainda era possível senti-lo. Percebeu que estava ao lado de pessoas de todos os
tipos com aquele estranho espectro esbranquiçado que emana a alma humana. Sabia
disso porque pôde notar outras vezes quando teve contato com alguns parentes
que haviam morrido.
Pelo que percebeu das longas filas
que se formavam até onde a vista alcançava, ele não estava na matéria – mesmo
que fosse estranho para ele estar como matéria no mundo dos espíritos. Isso
nunca foi menos assustador mesmo depois de tanto tempo tentando trabalhar sua
paranormalidade. De toda forma, estava estranhamente confortável, talvez
conseguisse agir naturalmente por saber que a vida pós morte era real.
Descobriu sua vidência ainda cedo,
quando via seu bisavô sentado na velha cadeira de balanço na sala. Nunca foi
algo nítido, mas quando passava pela porta em direção a cozinha o via de
relance, e quando voltava a focar os olhos via somente a cadeira se balançando.
Sua mãe, uma kardecista fanática,
dizia ser “normal” e que, mais cedo ou mais tarde, o este mundo se revelaria.
Sempre com um sorriso no rosto enfatizava que era preciso maturidade para
entendê-lo. Quisera fosse fácil agir com naturalidade ao acordar de madrugada e
ver sua tia, morta há alguns dias, aparecer sentada na beirada de sua cama, olhando-o.
Foi um susto tão grande que saiu correndo pelos corredores ouvindo ela dizer
“não se assuste meu querido”.
Depois disso passou a dormir na sala,
mas não foi diferente. Sempre que alguém se aproximava de sua rede o fazia
despertar, mas não tinha coragem de se desembrulhar do cobertor para ver quem
estava de pé ao seu lado. Apenas preferiu (mesmo que sua mãe tenha dito para
não ter medo deles) não arriscar desmaiar ou infartar de medo.
Certo dia acordou de madrugada e
sentiu novamente a presença, desta vez distante de sua rede, e decidiu seguir
as orientações de sua mãe ao perguntar o que ele queria. “Estou enlouquecendo”
– disse, enquanto olhava pela brecha do lençol. No quarto onde sua mãe dormia
não havia porta e, encostado no portal, viu um homem alto e largo, com a mão no
paletó que observava sua mãe dormir.
Chegou a perguntar, com a voz
trêmula, o que ele queria, mas a estranha figura branca se desfez diante de
seus olhos. Alguns anos depois, descobriu nas coisas de sua mãe uma foto de seu
pai, que havia falecido nos primeiros anos após seu nascimento, com o mesmo
paletó e a mesma aparência. Sua mãe lhe explicou que por algum motivo ele ainda
não tinha ido embora da terra.
“São apenas memórias” – pensou
enquanto caminhava pela estação, tentando reconhecer o local. Era tudo tão
real. Não sabia como tinha ido parar ali, mas pelo que sua sábia mãe lhe
contava, as viagens astrais eram assim, e que logo “acordaria do transe”,
provavelmente na mesma praça onde sentou no banco para fumar um cigarro.
Caminhou até a ultima parada quando o
apito do trem rompeu o silêncio. Lá do fundo pôde vê-lo se aproximando,
gigantesco e imponente. Despejando no ar uma grossa camada de fumaça vermelha
que se estendia cobrindo os sete vagões de ferro fundido.
Todos se levantaram ainda sem esboçar
nenhuma mudança no semblante. Quando o trem parou e as portas se abriram,
rapidamente entraram, e estando no meio deles foi levado pela multidão. Tentou
escapar, mas eram tão fortes e amontoados que carregaram-no para o ultimo vagão
do trem.
O trem partiu, e tendo a ciência que
seu corpo não pertencia à viagem daquelas almas, tinha que, o quanto antes,
chegar à cabine do maquinista e pedir para que ele parasse o trem que ganhava
velocidade. Apitava sete vezes, depois mais sete, e o ranger do trilho se
suavizava sendo trocado pelo ruído característico do percorrer da roda nos
trilhos.
Ao situar-se, notou como o ultimo
vagão era festeiro, parecia ser o mais pesado também. Várias pessoas
exorbitantemente gordas se empanturravam de doces e comidas. Comiam
compulsivamente e olhavam-no como se fossem devorá-lo. Alguns vomitavam e – não
compreendia tamanha ferocidade – voltavam a comer junto ao vômito. Passando
cuidadosamente entre as banhas de homens e mulheres que comiam como porcos,
enchendo as mãos de comida e engolindo sem mastigar, seguiu para o próximo
vagão.
Neste, ao ser notado, um homem
escondeu todos os relógios de pulso que tinha, e levantou a gola da camisa para
disfarçar os vários colares de ouro e prata. Tinha o corpo curvado e seu
pescoço sangrava devido o peso excessivo. Outro, pálido, contava um bolo de
dinheiro dentro de uma das várias maletas abarrotadas de cédulas.
Uma mulher, muito bonita e bem vestida, escondeu suas mãos com anéis de
brilhantes que ocupavam todos os espaços dos dedos inchados e roxos. Foi
caminhando entre eles espantado com a quantidade de riqueza que possuíam e
mesmo sem entender tal mesquinhez, passou para o outro vagão.
No quinto vagão, uma mulher tentou
tirar sua roupa enquanto um homem a penetrava por trás, seguido de outro homem
a penetrá-lo. Outros homens e mulheres se masturbavam ao ver a cena. Velhos e
jovens se promiscuíam diante dele que correu para não ser atacado. Uma mulher
transava com quatro homens como no emaranhado de cobras em um
frenético acasalamento. Passou rapidamente entre todos que se sodomizavam com
os mais estranhos objetos. Agora, pela primeira vez, se viu chocado e
preocupado no que poderia encontrar pela frente.
Por pior que fosse, ao entrar no
próximo vagão, foi recebido com um forte soco na barriga e foram direcionadas
várias palavras de profundo ódio. Enquanto tentava se recompor, as pessoas em
volta brigavam e se cuspiam, mostravam os dentes, se esmurravam e quebravam
tudo ao seu redor. Distribuiu alguns socos – o que possibilitou que ele
conseguisse passar pelo meio da confusão – e ao sair, desviou de uma
cadeira que foi arremessada em sua direção antes de atravessar para o próximo
vagão.
Mesmo que não fosse vantajoso exibir
um hematoma roxo, uma mulher se aproximou, no outro vagão que acabara de
entrar, e lhe ofereceu gelo enquanto elogiava seu hematoma. Estranhamente não
conseguia tirar os olhos dele. Em um surto, começou a chocar a cabeça contra a
parede de ferro tentando conseguir o mesmo hematoma, entrando em esespero ao não
conseguir. E todos então, se chocavam contra a parede para ter aquele hematoma
roxo. “Porque você tem e eu não?” repetiam para ele, que saiu assustado
sorrateiramente sabendo que o ultimo vagão estava próximo, e que logo ele
esclareceria toda aquela confusão.
No penúltimo vagão pôde descansar.
“Meu Deus o que acontecera? Onde aquela viagem iria acabar? Será que o
maquinista – seja ele quem for – não se importava com a situação deplorável
daquelas pessoas? Por que ele não acordava daquele pesadelo espiritual? O que
acontecera com meu corpo abandonado na praça?” eram os pensamentos que
rodeavam sua cabeça atordoada.
Neste vagão, as pessoas estavam
deitadas num estado de sonolência e letargia absurda. O vagão tinha TVs, sons,
bebidas, comidas, mas nada acontecia porque ninguém queria sair de seu canto
confortável para pegar qualquer coisa à disposição. Todos apáticos e inertes.
Tendo conseguido descansar um pouco e recuperar o fôlego perdido nos outros
vagões, caminhou ao sétimo.
Ao entrar no ultimo vagão, antes da
casa das máquinas, se protegeu como pôde, por não saber o que esperar. Existia
uma estranha calma e as pessoas mantinham distância uma das outras. Todas elas
carregavam um saco enorme com o nome “ego” escrito. Todos mantinham seus
narizes empinados, não conversavam porque julgavam ser uns mais importantes que
os outros, mas a essa altura do campeonato não queria mais saber de
condolências, apenas queria abrir a porta do maquinista e pedir pra ele parar.
Entretanto, à medida que caminhava
cauteloso, – para seu desespero – viu que não havia nenhuma porta. Apenas as
marcas do ferro soldado à maçarico. Enquanto dirigia-se à cabine do maquinista,
percebeu que naquele vagão havia um canto que não tinha sido preenchido. A
cadeira estava ocupada apenas por um dos sacos pretos com os dizeres “ego”, ao
lado de um homem alto e de terno. Ao se aproximar reconheceu que aquele era o
mesmo homem que estava a olhar para sua mãe naquela madrugada assustadora de
sua infância, o mesmo homem que encontrou nas fotos guardadas por tantos anos
em um baú de lembranças.
Um frio lhe correu a espinha ao ver
que o homem olhou nos seus olhos e esticou o braço para lhe dar um bilhete
de passagem do trem, com seu nome escrito, data, hora e o número da sétima
cadeira. Ao pegar o bilhete notou pela primeira vez que seu braço, assim como
seu corpo, também emanava o mesmo espectro esbranquiçado do qual sabia, e agora
entendia porque estava assim.
Revisão: Gabriela Rocha
Imagem: wallfizz.com
Gabriel Pontes
Foi o quando ele me falou.
Confira esta e outras
histórias em: www.gabrielpontes.com
Publicado em 25 de agosto de 2014por Pontes
Devido à rotina, virou costume chegar tarde em casa. Dirigiu-se à estante de mármore e pegou um uísque 12 anos – seu ano favorito. Desconsiderava o fato de ter sido diagnosticado socialmente como hipocondríaco. “Não é verdade” – pensou enquanto tomava seu décimo comprimido de Benflogim, e se servia com uma dose embalado ao som de Mozart. Considerava aquilo apenas uma recreação, sua válvula de escape depois de um dia cansativo, de uma semana que passou tão lenta quanto a vontade de não permanecer nela.
Sabia que o Cloridrato de
Benzinamida, agente ativo do Benflogim, associado a uma ou duas doses de uísque
aumentava a produção da dopamina no cérebro, gerando percepções visuais
alteradas e distorcidas, efeitos semelhantes ao do LSD. E mesmo que as náuseas
parecessem romper seu estômago no dia seguinte, não era o efeito colateral um
empecilho, pois isso colocava as suas ideias no lugar. O álcool por si só já
o leva ao campo das ideias, mas faz isso ao mesmo tempo que
o deprecia. Era preciso mais para fugir da realidade dos últimos meses.
Sentou
à frente de seu aquário e ficou observando-os por algumas horas. Os viu bailar
lenta e graciosamente. Percebeu que os dois, ele e os
peixes, tinham muito em comum. Tentou evitar a comparação
existencialista, mas não teve jeito. Foi transportado para dentro do aquário
junto aos peixes e sentiu tudo que lá se passava.
No fundo, os peixes que criava eram iguais a ele. Criaturas que trabalhavam em busca do propósito de sua existência, despertando todos os dias à procura de algo que os alimente, que os mantenha vivos, até que a exaustão lhes toma e eles descansam sem dormir.
Realmente era assim, acordando cedo todos os dias, enfrentando o mundo de desigualdades, sendo sugado de todas as formas, até que, no final do dia, ao chegar em casa, após seu remédio para dormir e a dose de uísque, desfruta de um sono sintético tão rápido que a sensação era de que apenas piscou os olhos. E ao chegar novamente ao trabalho no dia seguinte, se familiariza com o banheiro do local mais do que com o banheiro de casa a ponto de se incomodar com a sujeira. Como se fosse o seu banheiro emprestado para outros que não sabiam usar.
Uma rotina tão cansativa que nem
mesmo conseguia desfrutar do que comprava com o seu salário. A TV nunca foi
usada por mais de alguns minutos enquanto tomava café e via as primeiras
notícias do dia. As flores da sacada murcharam e permanecem lá, murchas, sem
ganhar um desfecho melhor.
Viu
também de forma nítida que o aquário não é formado somente por peixes, mas
de micro-organismos que transformam a amônia proveniente
da urina e fezes, ou da própria matéria em decomposição, em nitrito e, por sua
vez, as que o transformam em nitrato, alimentando e transformando-se em uma das
peças que compõe a biodiversidade controlada. Minúsculas criaturas do
mesmo criador que tinham seu papel fundamental para os peixes que ali vivem.
No seu caso, não era tão importante à presença desses seres – pessoas com essas funções sociais. Entretanto estava rodeado delas. Preguiçosos e sem propósitos, apenas procuram aproveitar-se dos restos de sua significância e na primeira oportunidade contaminam, adoecem e o levam à beira do fim.
“Provavelmente a vida de um peixe
deve ser feliz já que até as bactérias o ajudam” – constatou.
Concentrado em como o peixe se mexia
e se distorcia diante de seus olhos, assustou-se com um que desavisadamente se
chocou contra a parede de vidro do aquário. E mesmo sabendo que não era
possível transpor aquela barreira, continuou tentando e se chocando várias
vezes até que ele decidiu por a mão no vidro para assustar o peixinho.
Talvez
ele não conseguisse entender como é possível ver um ambiente tão grande e ao
mesmo tempo estarem limitados aos seus 60 litros de água. Apenas 60 centímetros
em um quarto de 4x6m. Não sabia que barreira era aquela que o impedia de
continuar e desbravar aqueles horizontes e talvez por isso sua insistência, sua
loucura. Alguns peixes que um dia pularam a barreira de vidro do aquário
morreram, porque não havia aquilo que os
ajudassem a sobreviver. Não é o que eles imaginaram.
Se ele fosse consciente como o ser que estava a frente dele, com os pés para cima segurando um copo com uísque e gelo, diria que sua frustração era tanta quanto a dele, de olhar os horizontes e desejar, tentar alcançar, e mesmo encontrando meios dignos de conseguir, era a passos lentos. O reflexo da mesma lentidão à que alcançava seus objetivos.
Quando alcançava, não tinha tempo de
usufruir.
Lembrou
que também se atirou algumas vezes além das barreiras que o impedia, sem
sucesso. O destino foi o mesmo, e por pouco escapou
do fim que levaram os bravos peixinhos que recolhia do chão de seu quarto. Fazia
seus velórios no banheiro e os “enterros no vaso sanitário”.
Era a vida de um homem descartável. Assim como os “peixes descartáveis” muitas vezes comprados e colocados em aquários minúsculos, dado a crianças como bichinho de estimação e, depois de mortos, enterrados numa cova rasa – ou no vaso como os dele -, e substituídos por outro que logo terá o mesmo destino.
Percebeu que dava a seus peixes algo
que ele sabia que jamais teria. Isso se for verdade daqueles que dizem que,
para os peixes, quem troca a água do aquário é Deus. Sabia que dava a
eles a oportunidade de ver Deus como ele era – embora não quisesse que seu
Deus fosse um bêbado e hipocondríaco – e se sentiu plenamente eufórico e
importante.
Levantou-se e zombou com um andado
pomposo e psicótico – como imaginava que Deus andaria sabendo que era Deus –
aproximando-se do aquário, passando a mão no vidro e com o rosto próximo a água
falou “Eu estou a observar-lhes, pude ouvir suas preces e eu os entendo”.
Foi quando um peixe que passava ouviu e respondeu “Não adianta se
comparar comigo. Eu estou a te observar e você não é um peixe!” Neste instante
deu um pulo para trás atordoado, mal acreditando no que acabara de acontecer. O
peixe ficou olhando-o por alguns instantes e depois voltou a seu comportamento
natural aparente.
Devia ter exagerado na dose do
Benflogim ou então chegou ao ápice de algum efeito não esperado e ficou
estagnado, confuso e apavorado. O que o surpreendia não era somente o fato de o
peixe falar com ele, mas também de estar completamente certo. Sim, ele estava
completamente certo.
Não podia simplesmente se amargurar
e maldizer a vida. Se entregar como se não encontrasse mais formas de
lutar, pois até mesmo os peixes de seu aquário vez por outra saltavam para a
morte certa, numa ânsia única e incontrolável de conhecer o que está além da
fronteira do possível. Isso porque eram apenas peixes que nasceram em
cativeiro e provavelmente nunca fizeram uma reflexão sobre o que era esse
instinto tão forte de liberdade.
E mesmo que pudesse considerar que
estava chapado a ponto de fantasiar histórias em sua cabeça, ele sabia o que
precisava ser feito, sabia que já fazia tempo que não tinha vida e que foi
preciso um peixe dizer a ele para que tudo fosse diferente.
Nos
dias seguintes comprou um aquário de 200 litros e o decorou da forma mais
natural possível, colocou todos os peixes lá dentro e os observou por alguns
instantes. Ligou para o trabalho e pediu demissão, aliviado. Ligou para os
amigos que há tanto tempo não via e convidou-os para um almoço.
Assistiu à TV que comprou e que nunca havia ligado no seu
canal favorito. Mudou os panos da mesa e tão somente tudo passou a fazer
sentido.
Embora seus amigos não acreditassem na história que foi explicada após o almoço, perceberam junto a ele que essa é mais pura verdade. Não é fácil se desvencilhar de tudo aquilo que nos vicia, mas é preciso criar coragem para mudar. É preciso sacudir a poeira principalmente quando a vida se torna tediosa e cansativa. Isso só fez dele mais um rebelde que busca a felicidade, limitando-se e colocando barreiras a si próprio, sem nunca perceber que tudo só depende única e exclusivamente de si mesmo.
Com o passar o tempo algumas coisas
se normalizaram, mas percebeu, agora no final do dia, sentado novamente a
frente do aquário, sem os Benflogins e sem os analgésicos, que por alguma piada
irônica da vida, poderia considerar que Deus tem formas estranhas de nos
colocar numa situação em que chegamos a conclusão que é preciso mudar. Suspeito
que ele pode usar os seres mais inacreditáveis para te passar as mensagens mais
importantes.
O peixe
que o salvou nada feliz de um lado para o outro naquele ambiente que mais se aproximou do que sua memória primitiva e
selvagem lhe mostrou. Ainda que um aquário maior jamais consiga lhe
dar algo melhor do que a liberdade, ele sabia que libertá-lo seria condená-lo a
morte. Era notável que o peixe ficou com a estranha sensação de que Deus
permitiu que sua vida melhorasse consideravelmente mesmo que não entenda o porquê.
Apenas via Deus do lado de fora, além
da barreira de vidro, sentado com as pernas para cima à observar-lhe com uma
dose de uísque e gelo na mão e um disfarçado sorriso, infantil e emocionado.
Gabriel Pontes
Revisão: Gabriela Rocha
Foto: gartic.uol.com.br/imaginaria
Foto: gartic.uol.com.br/imaginaria
UM
CONTO PSICODÉLICO DE GABRIEL PONTES
Estrela
no Céu da Boca
Confira
esta e outras histórias em: www.gabrielpontes.com
A beira da praia dezenas de pessoas
dançavam de óculos escuros mesmo sendo noite. Agitavam seus corpos no ritmo da
música eletrônica.
As luzes piscantes destacavam o céu
estrelado daquela noite, ele as olhava em sua magnitude e pensava nelas sem
mesmo saber se elas ainda existiam. Pensava em quais delas já haviam morrido e
estavam ali só como imagem, como luz. Quando elas iriam realmente deixar de
brilhar? Sentia-se assim também. Como uma estrela que havia morrido por dentro,
mas os outros o viam apenas pela luz. Pela brevidade que poderia durar vários
anos, quem sabe? Sobre essa angústia permitiu que uma estrela doce brilhasse no
céu de sua boca.
Este quadrado mágico conhecido por ser
uma das substancias alucinógenas mais poderosas conhecidas trouxe consigo uma
momentânea sensação de paz. Todo aquele alvoroço de gente pulando e
dançando não o afetavam diretamente e as pupilas que dilatavam abriam seus
olhos a um universo que jamais havia se deparado antes.
Era quase impossível não se render a
dança. As batidas que saiam da enorme caixa de som, mesmo sem letra, diziam
como deveria dançar. Existia naquele momento sem sombra de dúvida uma oscilação
do indivíduo com este universo paralelo que lhe o foi apresentado.
Foi como acessar a parcela da mente que
contém a assinatura de Deus. Pela primeira vez se sentiu parte da terra e do
universo, como um ser formado de poeira cósmica das estrelas mortas. Mas ele
era uma estrela que voltara a viver, a pulsar, a dançar…
Podia compreender, mesmo naquele caos,
que nunca ouviu, viu, cheirou algo tão esplendoroso quanto à vida. Sentiu as
minúsculas partículas de água salgada que saia do mar e eram levadas pelo vento
até encontrar na sua pele.
O som das ondas misturado com o som das
batidas que piscavam no ritmo dos canhões de luz. A areia movediça que se
afastava dos pés dando a sensação de leveza e desequilíbrio.
A boca e a garganta seca cuja nenhuma
água saciava. Dessa vez sentiu o gosto da água. O gosto de todas as camadas de
hidrogênio e oxigênio. Respirou pela água, tanto que sentiu falta de ar.
Por mais que fizesse força não
conseguiu encher seus pulmões. Aquela sensação de agonia o tomou. Era como se
todo o peso do universo caísse sobre seus ombros.
Com as passada pesadas foi se chocando
atordoado entre os corpos suados e aglomerados. Tentando fugir daquela multidão
e do calor que o sufocava ainda mais. Um zumbido no ouvido o acompanhava e
parecia um rádio fora de sintonia.
Talvez fosse isso. Talvez estivesse
perdendo a sintonia com o universo. Encostou-se cabisbaixo na grande tela que o
separava do mar, as águas foram ficando mais claras, o céu foi ficando mais
claro. Quando pensou que iria desmaiar viu o primeiro raio de sol rasgar o céu
da madrugada e com ele deu um forte grito que o trouxe de volta das garras do
inferno.
Aliviou-se com o ar preenchendo-lhe os
pulmões, como uma criança que acabara de sair do útero da mãe. Viu a sombra dar
lugar a luz e sentiu o calor do sol tocar-lhe a pele. Nesse momento sentiu Deus
tocar-lhe com seu brilho que logo o fez baixar a cabeça diante do seu
esplendor.
E mesmo sobre a advertência da
pré-morte, tornou o amargo forte, de outra estrela doce a derreter no céu de
sua boca.
Gabriel Pontes
CRÔNICAS
DO
COTIDIANO
ALEGRE
OU TRISTE
LEMBRANÇAS DE JOÃO LUIZ
“A morte não é a maior perda da vida. A
maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos”. Pablo
Picasso.
Hoje acordei e
fiquei na cama pensando no sonho que tive com meu mano João Luís.
Estávamos num lugar alto, não sei se um monte, ou algum
lugar que não dava pra identificar.. Só sei que era do alto e
vimos nossos momentos juntos, e riamos muito dos bons momentos e ate dos maus,
que lembrávamos. Era uma alegria e olha que foram muitos bons
momentos.
Essa é uma
ligação muito forte entre nós, a ponto de não sentir que ele morreu.
Todos os dias me lembro dele no meu café, manias que ele tinha como café bem
doce, um aipim com manteiga ou açúcar.
No almoço nos
brincávamos de comer e ele picava sua pimenta no prato, isso era sua marca: sem
uma pimentinha não tinha graça e no decorrer do dia sempre tinha uma piada uma
brincadeira uma “encarnação”, algumas ate sem graça, mais era dele... Sem isso
só se ele tivesse doente. .
Hoje meu mano
esta comigo em todos os meus momentos em tudo que faço de manha ate
a noite, juntos. Não falo muito nele, pois as pessoas ao meu
redor não entendem, e nem vão aceitar essa presença tão forte,
que tantas vezes chamo meu filho Diego, de João.
Quando este
ano fui passar o natal e o ano novo, na casa de minha cunhada Cristina, foi uma
alegria muito grande. Fiquei muito próximo. Meu natal foi lindo: em
família eu estava ali, como antes. Eu minha esposa, meu filho, na casa do meu
irmão, João, com sua esposa e suas filhas e em um momento me perdi falando dele
lembrando, pois o que sentia era muito forte.
Não gosto de
vê-lo como morto e sim como meu irmão e este pode estar morto paro
mundo todo, mais pra mim vai estar sempre vivo em minhas lembranças. E só
parei de falar quando olhei em volta e vi que estavam todos
com lagrimas nos olhos , chorando, emocionados.
Minha intenção
não era fazer minguem chorar de tristeza. Mas, se tiver que chorar como eu
estou, agora, que chorem de alegria, de amor. Que me perdoem todos, mas
não vou esquecer meu irmão João Luiz, nunca! Que cada um enterre
seus mortos, mas meu irmão ainda vive, está bem vivo dentro de mim.
NIL MARQUES
(capnil@yahoo.com)
NOVO CRONISTA
JM APRESENTA
DANIEL GUIMARÃES
PRÍNCIPES E PRINCESAS
Vejo uma
sociedade atual de valores invertidos, aspectos corrompidos. As mulheres
questionam muito o machismo, mas parece que (muitas delas) querem cada vez mais
se parecer com um homem machão. Querendo forçar autoridade no grito, agindo
como se fosse um garanhão, atacando, se dizendo pegadoras. Veja só, a mulher
hoje diz: tô pegando. Tudo bem se acham que a mulher não precisa se dar o
respeito para ser respeitada, apenas precisa lembrar que ela é quem é
perseguida e não o homem e que na base da marra, não se conquista nada.
A mulher
verdadeira é feminina, delicada, sonhadora, apaixonada, apaixonante, guerreira,
com muita fibra e potencial próprio sem depender de ninguém. O homem verdadeiro
nunca deixará de ser aquele rapaz cortês e cavaleiro, um lutador cheio de
vigor, controlador de sua força bruta. Muitas mulheres, ainda quando meninas
idealizam um príncipe, mas optam pelo cafajeste de quem muitas das vezes acabam
engravidando antes da hora. Tornam-se mães solteiras e criam seus filhos de
forma machista. Talvez pela revolta de terem estragado suas vidas tão cedo.
(Sei que em tudo há exceções), mas isso não me impede de expor o que penso.
É sempre
assim: (a maioria dos homens) sacaneiam sem motivo e por revolta (algumas
mulheres) revelam seu lado escondido até então desconhecido. Na vida o ser
humano segue da forma que mais lhe convém. A meu ver não existe diferença entre
homem e mulher quando o que gostam é da sacanagem. Não adianta também criar um
preconceito para eliminar o outro, criar movimentos feministas para combater os
machistas, ou vice versa.
Aprendi
desde novo ser um rapaz educado e isso não me tornou menos homem que ninguém,
sei do que uma mulher gosta, sou capaz de entrar numa loja de roupas feminina e
acertar no que devo comprar, numa joalheria, ou numa perfumaria. E isso é sim
uma grande coisa, levando em conta o sempre presente machismo a provocar! Lavo,
passo, cozinho, sei me virar sozinho e concordo que hoje em dia o casal tem que
se ajudar nas tarefas caseiras, não vejo mal nisso.
Nenhum
homem no mundo deixa de pagar por seu lado machista. Quantas vezes sou chamado
de grosso, estúpido, insensível. As mágoas existem e a maioria delas partem de
bobas discussões. A vida não é um conto de fadas, todo encantamento um dia
acaba. Príncipes e princesas podemos todos ser, somente considerando que temos
um Rei como Pai, o nosso Senhor!
***********************************************************************
Toda mulher que deseja ser tratada como princesa, aja como uma.
Todo homem que deseja ser tratado como príncipe, aja como um.
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DIREITO DE RESPOSTA CONCEDIDO PELA LEI QUE MEU CORAÇÃO ESTABELECEU. Respondendo e esclarecendo: sabia que esta crônica daria margem à discussões. Em momento nenhum quis ser machista, apenas reconheço o tempo todo que machismo existe em nossa sociedade, está enraizado e será difícil combatê-lo. Já que as mulheres abominam tanto esse mal, por que (algumas delas) agem da mesma forma, se assemelham a homens insensíveis e criam seus filhos com o machismo implantado dentro de casa? Sempre o menino pode tudo e a menina nada.
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Toda mulher que deseja ser tratada como princesa, aja como uma.
Todo homem que deseja ser tratado como príncipe, aja como um.
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DIREITO DE RESPOSTA CONCEDIDO PELA LEI QUE MEU CORAÇÃO ESTABELECEU. Respondendo e esclarecendo: sabia que esta crônica daria margem à discussões. Em momento nenhum quis ser machista, apenas reconheço o tempo todo que machismo existe em nossa sociedade, está enraizado e será difícil combatê-lo. Já que as mulheres abominam tanto esse mal, por que (algumas delas) agem da mesma forma, se assemelham a homens insensíveis e criam seus filhos com o machismo implantado dentro de casa? Sempre o menino pode tudo e a menina nada.
Deveria ser
diferente, a escravidão começa na má criação, muitas vezes precisamos nos
tornar adulto para começar a entender melhor a vida pra maioria a maturidade chega
tarde demais. Não me oponho a uma mulher solteira ou não fazer de sua vida o
que bem entender, mas ela não nasceu para caçar e nem ser presa fácil de
ninguém. Não se trata de: o homem pode e a mulher não, mas a tarefa da mulher é
bem mais difícil diante desse machismo centenário estabelecido por homens que
se pudessem, não deixariam nem a mulher abrir sua boca pra falar como um dia já
foi.
A mulher já
conquistou muito, mas o domínio do machismo ainda é esmagador. Não adianta um
movimento feminista tentar virar o jogo, na verdade isso não deveria ser
tratado como um!
Não conseguimos a igualdade nunca. Quando elevamos uma classe, consequentemente diminuímos a outra. Infelizmente é assim!
Texto tirado da minha página do site recantodasletras/autoresdanielguimarães. Editado em 04/05/13
Não conseguimos a igualdade nunca. Quando elevamos uma classe, consequentemente diminuímos a outra. Infelizmente é assim!
Texto tirado da minha página do site recantodasletras/autoresdanielguimarães. Editado em 04/05/13
Confira
esta e outras histórias em: www.gabrielpontes.com
Tomado pela cólera levantou-se da
mesa meio alcoolizado. Estava distante de casa, mas mesmo assim decidiu que
iria a pé. Naquele humor ninguém teria coragem de se atrever com ele.
A Avenida da Abolição estaria vazia se não fosse pelas moças das esquinas que com seus seios do lado de fora tentavam seduzir e conseguir alguns clientes. Junto com elas os travestis a procura de algum desavisado (ou não).
Eram lindas jovens que poderiam ter tido um futuro, digo, presente diferente daquele. Poderia ser sua mãe ou sua irmã, moças direitas quem sabe. Talvez assumiram essa vida devido à facilidade de ganhar em duas horas o que muitos, inclusive ele, ganham trabalhando oito horas por dia, 248 horas por mês.
Embora não fosse problema dele tudo isso passou por sua cabeça enquanto tentava fugir do assédio e dos convites para uma transa.
Ainda que fosse fascinado pela
tentação do gozo com as lindas moças de corpos seminus, continuou sua caminhada
se esgueirando entre os altos travestis que o elogiavam com uma voz grossa
rançosa.
A cena perpetuou-se por toda a extensão da beira mar. Não mudava quase nada: De um lado, as prostitutas tentando ganhar seus clientes, do outro, os travestis entrando em carros luxuosos.
Nos becos e nas ruas paralelas percebeu algumas sombras que se mexiam de um lado para o outro. Fitando os olhos acinzentados na beira da calçada alguns jovens magricelos procuravam algo que pudesse facilitar à ‘queimar da pedra’. Nas ruas o tão conhecido diamante da lama.
Quem dera essa orla pudesse ser vista na madrugada assim como ele estava vendo. Enquanto os representantes políticos do povo dormiam em suas camas macias e com ar condicionado, ali, jovens se drogavam e dormiam amontoados, secos da fome e do Crack.
Dormem junto com o lixo. Como os restos esquecidos da sociedade capitalista.
Embora as cenas fortes o tivessem
feito apressar os passos, olhou as estrelas e tentou ver algo de bom na
madrugada. Pensou que várias pessoas jamais teriam esse privilégio de estar
ziguezagueando em umas das ruas mais movimentadas de Fortaleza.
Apesar do perigo, de toda a cidade esta dormindo (como sempre ouviu dizer), ele estava meio bestificado em poder tocar com as mãos o asfalto frio. Na Avenida Desembargador Moreira subiu com destino a Avenida Santos Dumont. Olhou para os grandes prédios e imaginou como seria se alguém soubesse que ele estava ali. Se cruzassem com ele na rua teriam medo? Ou parariam para perguntar se ele estava bem?
Imaginou se alguém teria consciência de tudo que estava acontecendo naquele horário bem próximo a suas casas. Pensou como seria se aquelas prostitutas tivessem realmente a oportunidade que se diz ser dada a todos. E aqueles jovens? Qual seria o nome deles? Será que eles foram colocados nos braços da mãe como fruto de uma gravidez desejada, consciente e assistida? Já sabia que não era verdade. Não se dá oportunidade a todos. Não foi dada oportunidade para aqueles jovens, pois a miséria não é uma oportunidade. Já ser garota de programa, quem sabe…
Voltou a pensar naqueles que dormiam
na segurança do lar, acreditando serem donos de alguma coisa, até mesmo de seu
descanso. Andava meio atordoado quando percebeu
que um garçom o olhava desconfiado no único restaurante que estava aberto
aquele horário. Claro que não se pensaria, às 4 da manhã, que um jovem estaria
bem intencionado. Principalmente se ele fosse marcado pelo estereótipo das
tribos terroristas de cabeça raspada.
Chegando a Praça Portugal deparou-se
com vários jovens que se embriagavam com o vinho. A essa altura do campeonato o
álcool já tinha sido quase todo consumido. Na beira da praça um jovem pálido
vomitava o vermelhão. Logo atrás, sentados abaixo da copa de uma árvore havia
um casal cuja menina, deitada com a cabeça no colo do rapaz, aproveitava da
oportunidade e da escuridão para discretamente chupar-lhe a genitália.
Quando notaram sua passagem,
ajeitaram-se rapidamente olhando-o amedrontado e, para surpresa do andarilho,
tratava-se de dois rapazes. Por um momento nada pensou enquanto
os encarava pelo choque. Depois foi tomado novamente pela cólera, se sentiu ofendido,
mas logo pensou: e se fosse uma mulher? Seria normal? Da mesma forma se sentiu
ofendido. Com uma ultima encarada ignorou-os e continuou sua caminha
constatando que realmente a madrugada é muito estranha.
Onde estariam os pais daquele garoto
que vomitava em jatos o sangue de Cristo? Onde estaria aquele casal se a
postura social e o esclarecimento sexual fossem diferentes? Ali? Talvez sim.
Talvez a madrugada tenha desse mundo hipnotizante do proibido, do prazer, da
luxúria e libertinagem. Lembrou de sua época nas praças, nas
ruas. Quando por descuido vomitou a bílis e dormiu na calçada. Das vezes em que
aproveitava as esquinas escuras, praças e praias para rapidinhas com garotas
aventureiras embriagadas.
As pernas cansadas continuavam a
caminhada. Sabia que se parasse não iria agüentar. A Avenida Santos Dumont
permanecia vazia. Mais uma vez no meio da rua se sentiu sortudo por passar por
um canto que passava todos os dias de ônibus e que seria loucura fazer aquilo a
qualquer hora da manhã. Só ele estava ali. Nem mesmo os guardas que dormiam na
promessa de vigiar os prédios.
Era um silêncio, um vazio, tanto que
começou a achar beleza nesse vazio. Pensou que na verdade o tudo só é tudo por
causa do vazio. E o vazio não é a ausência, mas sim o princípio de tudo.Ele não estava perambulando no final
do dia, mas sim no seu começo. Toda aquela avenida vazia daria lugar à tão
movimentada e caótica Santos Dumont. Nessa breve loucura acreditou ser o tudo
daquele espaço que conquistava, passo após passo.
Sentiu a vibração no asfalto e o trem
que passava na via expressa cortava o silêncio da madrugada. Aquilo de certa
forma o fascinava, seu intimo o advertia, mas era quase inevitável não querer
chegar o mais perto possível daquele monstro de dezesseis vagões.
Gritou o mais alto que pode e deixou
que partisse com ele sua raiva que já tinha sido amenizada com a caminhada. E
assim já perto de seu destino, tendo tocado com as mãos locais que jamais
pensou tocar todas as vezes que por ali passou em algum transporte alternativo,
viu o sol surgir por de trás dos prédios e os pássaros que anunciavam a chegada
da manhã.
Depois daquele dia ficou claro que a cidade não dorme como havia dito antes. Ela apenas muda de cenário e de protagonistas, como em uma peça de teatro. O oculto ganha vida, vem à tona, ganha espaço. Pela manhã se põe o véu da indiferença, do nosso profundo egoísmo e da nossa cegueira moral. Já na madrugada eles ganham o espaço da sua existência que da manhã lhes foi roubada.
Depois daquele dia ficou claro que a cidade não dorme como havia dito antes. Ela apenas muda de cenário e de protagonistas, como em uma peça de teatro. O oculto ganha vida, vem à tona, ganha espaço. Pela manhã se põe o véu da indiferença, do nosso profundo egoísmo e da nossa cegueira moral. Já na madrugada eles ganham o espaço da sua existência que da manhã lhes foi roubada.
Gabriel Pontes
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esta e outras histórias em: www.gabrielpontes.com
A vista dos bairros próximos pareciam muito mais
interessantes quando quis ignorar o que acontecia, mas mesmo com o olhar
distante, sentado na cobertura do prédio, notei que alguns jovens narravam uma
história fictícia com tanta veemência que chamou minha atenção. Decidi levantar
da cadeira onde estava e aproximar-me em silêncio para não tirar a
espontaneidade que esperava "envergonhar naturalmente" na presença de
um estranho.
Separados por uma mesa redonda haviam seis jovens ao
comando de um fortinho que narrava a historia. Evitando que fugissem demais do
tema ele mediava o assunto sem podar demais a criatividade do jogador. Através
dos seus óculos de grau com armação militar, se baseava num cronograma ou
inspiração na tela do computador para conduzir a história. Tentei por
curiosidade ver o que ele anotava ali, mas abaixou a tela e foi sinal
suficiente para um bom entendedor. Ao seu lado, a direita e a esquerda, dois
jovens, um magrelo e outro gordinho, concentravam-se na história enquanto seus
personagens na inércia de suas últimas ordens duelavam, um contra o inimigo e
outro tentando sobreviver a morte certa.
Porém, o que mais chamava atenção eram as duas
moças. Enquanto uma fitava os olhos no narrador com tamanha crença e empolgação
que causava até estranheza, a outra já descabelada, vermelha, interpretava seu
personagem baseando-se em várias folhas que repousavam no colo com desenhos,
números, e sabe-se lá mais o que.
O primeiro momento foi dedicado a segurar as
risadas, foi mais forte que eu, pois qualquer ser humano quando não entende
algo, quase que automaticamente debocha, já que é a forma mais rápida de se
sentir superior aquilo. Mas me contive. Contive com o devido respeito não a
mim, nem a eles, mas aos personagens que batalhavam pela vitória.
É uma viagem. Depois de alguns minutos prestando
atenção na história os sentimentos de deboche dão lugar a ansiedade e emoção.
Sentimentos pelo qual não fui preparado para ser tomado. Como?
Além daquele local, da salinha na cobertura, estava
diante de algo grandioso. Um campo de batalha entre uma menina frágil chamada
Uchiha Arashi de Konora ( o pequeno vilarejo de onde nasceu) contra um demônio
chamado Alucard, um anti-herói macabro e violento. Foi muita coragem dela
enfrenta-lo, pensei, e logo ri baixinho quando percebi meu entrosamento com a
história. Quase no mesmo instante todo aquele mundo que se abriu bem na minha
frente sumiu. Decidi, deixando escapar um deboche, que não me envolveria tanto.
O que foi quase impossível.
Cada ação, além de se ter uma interpretação do
jogador como se fosse o personagem, requer a sorte nos dados. Os dez lados
jogados sobre a mesa selavam o sucesso ou o fracasso da jogada. E ao fracasso,
de Uchiha Arashi ou da menina das folhas e do óculos de grau denso, vi no rosto
o desespero e a coragem. A cada fracasso a angustia era tanta que chegou a dar
dó, e toda aquela esfera de cumplicidade, a música que tocava ao fundo, tudo,
levou-me de volta a história como se eu estivesse ali presenciando o que estava
acontecendo entre Uchiha e Alucard.
O narrador friamente descrevia como estava Uchiha,
com o braço do Alucard atravessado pelo seu corpo em um gesto completamente
brutal e, enquanto isso, as lentes já embaçadas escondiam os olhinhos puxados,
vermelhos e ainda menores do choro.
O rosto vermelho e as lágrimas que escorriam
trouxeram toda sua emoção, e a criatividade movida por ela deu lugar a
reviravolta surpreendente do fim. Mesmo que o narrador não pudesse se abalar
com aquilo era inevitável, como ser humano, não se comover ao presenciar um ato
de apego a alguém que não existe realmente, a não ser nos desenhos sobre as
pernas agora pingados de lágrimas. E a todo mento foi como estar vendo
acontecer, a cada palavra, cada ação eu pude ver e torcer pelo sucesso que
pareceu inexistente.
Mesmo que o fim tenha sido o esperado de qualquer
história no duelo entre o bem e o mau, onde o bem sempre vence, não pude deixar
de sair, mesmo que relutante, surpreso com esse jogo que mexe tanto com os
sentimentos. Foram quatro horas de observação e eu não os senti passar.
Sobre o fim e a vitória de todos que estavam ali o
narrador encerra o jogo. Todo aquele universo que se projetou ali, da luta,
angustia, agonia, emoção, raiva, amizade, foi embora, não para sempre, mas para
dentro de cada um, inclusive de mim que não quis fazer parte de tudo isso, e
fiz.
Dentre todas as batalhas que já vi na vida real
esta será uma que provavelmente não irei esquecer.
Dedicado a Uchiha Arashi, uma das guerreiras mais
fortes que já conheci.
GABRIEL: A CAPACIDADE DE ESCREVER
HISTÓRIAS INCOMUNS
Cada
vez que leio um texto (contos) do Gabriel me surpreendo por sua capacidade de
criar e imaginar histórias incomuns.
Que
eu seja um "Expert" em jornalismo, literatura, contos e textos, nada
surpreende, pois passei a maior parte de minha infância e adolescência ouvindo
histórias de tios-avôs e depois no inicio da maturidade, me dediquei de corpo e
alma ao jornalismo profissional passando por todos os segmentos: do
foca, repórter de rua, redator, editor, editorialista, editor-responsável e
dono de um jornal municipalista de grande sucesso no Rio de Janeiro
em 1981/85...
Escrevi três livros de contos
, um já publicado, e "montanhas de reportagens do cotidiano triste das
grandes cidades, uma pilha tão grande de textos que não pude trazê-los
, quando voltei a Fortaleza em 1985: tive que incinerá-los numa
grande fogueira, igual ou maior do que as de São João nos tempos idos...
Mas o Gabriel, que só tem 20 anos e
só ouviu as minhas "tagarelices" sobre minhas
vivencias e experiências, e que nem sequer leu ainda meu
livro "Das Coisas ,da Vida e da Morte, e de Chico Asa
Baixa", - escrevendo como escreve - é algo de admirar!
Será
que o genes também transmitem a lucidez, a criatividade, o excelente texto,
cheio de perplexidade, capaz de nos fazer sonhar e reviver memórias apagadas no
inconsciente?
Leiam
essa crônica reportagem e digam-me se não estou com a razão?
Realmente: "Filho de peixe, peixinho é"!
ÓRION
LIMA
Exu
Sim, ela demorou, mas chegou. Aquela
velha crise que o põe contra a parede e tira-lhe o sono com um agouro
atormentador. É este o momento em que a fé se afasta mais dele e tudo que toma
conta é um desejo destrutivo, um desejo de misantropia e ironicamente auto
piedade.
É aquele momento que por mais amarga que
seja a bebida ele não consegue sentir o amargoso, tudo vem com um gosto
agridoce, o gosto da dúvida que invade e deixa em seus rastros somente a
destruição.
O presente e o passado conflitam-se em
seu coração. As pessoas parecem não ajudar. Seu amor parece não ajudar.
Hoje é a 5ª noite que não dorme, nem
sonha. Simplesmente repousa sobre a cama e passa a olhar o teto em seu quarto
frio, como quem olha a deus e pede às respostas que tanto procura. Levanta-se.
Vê que está só, naquele quarto, naquele cômodo e ri. Ri de sua solidão.
Perambula entre os cômodos a procura do
sono que não chega, caminha até o jardim e apoia-se sobre uma velha Pitangueira
na esperança que ela possa lhe dar um pouco de energia sugada pelos pensamentos
obscuros de sua mente doente. Em vão.
Volta a se deitar e olhar para o teto,
baixa o olhar, nota a imagem de São Miguel dourada sobre a cômoda e a face
deste arcanjo que parece ignorá-lo, já o demônio parece sorrir diante de sua
angustia. Fecha os olhos e reza.
“São Miguel Arcanjo, protegei-me nos
combates, defendei-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do
demônio. Deus o submeta, instantemente vos pedimos; e vós, ó Príncipe da
Milícia Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos
outros espíritos malignos que andam pelo mundo procurando perder as almas.
Amém.”
As 03h00minh da manha ao final da
oração, um brado seguido de uma ventania sacudiu as telhas do cômodo, um cheiro
de charuto impregnou o ambiente. A porta abriu e ouviu-se uma voz rouca cantou.
Oh
Ganga
Rei
da Quimbanda
Tranca
Rua é feiticeiro
Pra
vencer qualquer demanda.
Seu
Tranca Rua o seu bode deu um berro
Arrebentou
cerca de arame
Estourou
portão de ferro.
Eh,
boa noite
A
hora é essa
Seu
Tranca Rua já chegou
Agora
é festa.
Viu que do lado de fora, sentado numa
cadeira deixada por lá havia um homem sentado, na escuridão ele viu apenas seu
corpo forte coberto com uma capa em tons preto e branco, com uma calça preta e
pés descalços no chão. Em sua mão havia um tridente, que lentamente batia no
chão e encostara a grade para acender um charuto.
O garoto não conseguia falar, era um
misto de pânico com medo que o deixou imóvel.
- Medo meu filho? Não há de ter medo de
mim. Não vim fazer mal.
O garoto continua em silêncio.
-Olhe, tem muita gente torcendo contra
o que você faz e você parece ter medo. Esse medo é que te deixa assim.
Vim veloz pra te dizer isso, uma
mensagem dos teus guias, não te afasta do caminho da luz. Agora durma.
-Uma risada medonha encerrou a
conversa.
Acordou no dia seguinte com um pulo que
disparara seu coração, assustado passou a mão na cabeça e riu, pensava com ele
mesmo, mas que sonho estranho esse meu. Assim como de costume levantou-se e aos
poucos foi se familiarizando, a tv estava ligada a porta aberta e viu a cadeira
posicionada como no sonho. Não podia ser real.
Aproximou-se, sentou-se na cadeira
pensando naquele absurdo, baixou a cabeça olhando para o chão e foi então que
viu cinzas de charuto espalhadas. Um intenso arrepio lhe tomou o corpo e saiu
de sua boca uma risada medonha, uma gaitada involuntária.
RIÁ, RIÁ, RIÁ!
Gabriel Pontes
EXU, O NOVO CONTO DE GABRIEL PONTES
Na vida, poucas pessoas nascem quase
prontas. Mas em se tratando de Gabriel Pontes, nada me assombra ou
deixa perplexo, porque antes de ser concedido e até mesmo nascer,
ele nos foi prometido como algo novo que viria para mexer e remexer as
consciências e fazê-las sair do obscurantismo, do atraso moral , ético e
religioso que contaminou e ainda contamina as gentes.
Lendo um de seus últimos contos,
EXU, vi como ele progrediu na senda da Luz, mesmo sem ser afiliado a Umbanda
,diretamente. Em primeiro lugar, EXU é um Elemental controvertido pela religião
ortodoxa ou católica, que criou seus demônios para atormentar as almas,
ao invés de libertá-las pela razão e conhecimento.
Essas ditas religiões que se
apegam a letra e a forma e, que se intitulam “evangélicas”,comparam EXU
ao espírito do mau (SATÂ), porque precisam de u m bode expiatório para
justificar seus erros e imperfeições . Para nós umbandistas e até para os
seguidores do Candomblé, BARÁ ou LEGBARÁ, ou EXU É O MENSAGEIRO DOS
DEUSES, ASSIM COMO HERMES, ERA O DOS GREGOS.
Para os umbandistas ELE representa a
nossa esquerda e é o responsável por nossa defesa.Não fora a superstição
e o fanatismo religioso que vê demônios em tudo, e que tudo manda “queimar” em
nome de Jesus ( que quando esteve na terra não condenou ninguém) -ele poderia
ser comparado a eletricidade que tantos benefícios causa à
civilização, mas que pode fulminar em segundos, se for mau usada, sem os
devidos cuidados que o controle de uma força requer.
Na verdade, todos nós temos um exu
guardião na terra, ou um ” daimon” ,( espírito "divindade") oculto em nossa ignorância,
pequenez, superstição ou fanatismos.Somos seres bons e maus porque assim fomos
criados. O que nos difere um dos outros é a escolha a ser feita. Anjo ou
demônio vivemos navegando na incerteza, até encontrarmos o caminho da luz
e o aceitamos ou não.
Não é só a luz que nos salva. Ela nos
eleva , e ao nosso Exu, no rumo dos mistérios, a busca da expressão
material e dons, e da espiritualidade, leve e radiante ,que nos encaminha ao
Cristo Cósmico e a sua legisladora doutrina de amor e perdão!
Se fosse outra pessoa que escrevesse um
conto de tanta beleza sobre esse Elemental eu diria: “Cuidado, com Exu não se
brinca”! Mas em se tratando do conto do Gabriel Pontes vejo a confirmação
de sua vidência. É um ciclo da história mística que renasce e se perpetua e que
nem todos terão olhos para ver. ÓRION LIMA- EDITOR
GABRIEL GARCIA MARQUEZ ESTARIA COM ALZHEIMER?
PERDEU A MEMÓRIA
O Nobel de Literatura Gabiel Garcia Marquez, que ficou famoso no mundo inteiro com seu livro “Cem anos de Solidão, está perdendo a memoria, segundo seu amigo íntimo-, o jornalista colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, segundo informação do portal "Kien & Ke"...
Mendoza --autor de "Cheiro de
Goiaba", que reúne recordações de Márquez, - deu a entrevista após
conversas com a mulher do Nobel de Literatura, Mercedes Bacha. De acordo com o
jornalista, o escritor não reconhece mais as pessoas.
"No dia em que ele completou 85
anos (seis de março), liguei para dar parabéns, mas quem falou comigo foi
Mercedes. Ela preferiu assim porque ele não se lembrava de mim", afirmou
ao site.
O britânico Gerard Martin, autor da
biografia oficial de Marquéz, "Uma vida", já havia comentado o
problema de memória em um livro sobre o escritor.
Mendonza também contou que o filho do
Márquez, Rodrigo (que é seu afilhado), revelou a ele que o pai precisa ver as
pessoas "porque senão, pela voz, não sabe quem está falando".
Na entrevista, Mendoza acrescentou
que, na última conversa que teve com o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura,
o escritor teve dificuldades em recordar episódios e repete as mesmas
informações repetidas vezes.
"Nas últimas vezes que
conversamos pessoalmente, na Cidade do México, ele repetiu várias vezes: 'Como
anda você? O que tem feito? Quando volta de Paris'? Muitos amigos comuns com
quem falei sobre o assunto disseram que com eles aconteceu a mesma coisa. Gabo
fez as mesmas perguntas. Existe a suspeita de que ele tenha algumas
fórmulas.
Se não reconhece alguém, não pergunta
'quem é você'? Prefere fazer perguntas genéricas. Dói muito vê-lo assim. Gabo
sempre foi um grande amigo", disse Plinio Apuleyo.
O jornalista afirmou que o estado de
Marquéz preocupa porque tanto a mãe do escritor quanto um de seus irmãos
morreram de mal de alzheimer.
E agora me vejo assim, eu que sempre
achei que as coisas haviam mudado de lugar. Percebo que vivo em um efeito
narcotizante para me preparar para o novo baque a acontecer. Seria um baseado
para ficar dormente? Ou para soltar a mente um LSD?
Vejo ao longe aquela velha história
praguejada da vida que não se leva nada, do mendigo que a três dias não dorme
ou do sábio filósofo embriagado na estrada. A ideia contagia-me. Esta sinfonia
natural. Palavras do orifício anal. Pois hoje não me fazem nenhum sentido.
E este músculo reciclador de dores
bate nos compassos do arrependimento de tê-lo tirado da minha caixa de
artefatos banais, mas fui amar demais, pobre poeta. E volta a ser bisbilhotado,
idolatrado, elogiado por bater minha meta de palavras celestiais. Palavras dos
mesmos orifícios anais. Palavras que hoje não importam mais.
Encontro-me a implorar esta pobre
graça, tento manter esta mente podre em funcionamento, assim como as máquinas
que ‘remexem’ o cimento, ‘remexem’ os meus pensamentos infernais. Aqueles que
hoje já não me importam mais.
E para por de meu velho consolo,
coleciono mais um retrato a pedir socorro na parede gelada do meu quarto. E
hoje ao me ver tristonho e confuso, torno minha mente em parafuso a esbanjar
covardia, a alma fétida que batendo no peito sorria a maldizer o carma
adquirido por seus ancestrais. Aquelas pobres criaturas nefastas, hoje, já não
me importam mais.
E hoje percebo claramente que estudo
constantemente minha vida como ela é, como ela é real. Não estudo somente por
uma masturbação mental sem propósito, eu usufruo de meu próprio ócio sem me
esforçar demais, para evitar as velhas frases anais que hoje já não me importam
mais.
Embriagado do vinho contemplo
meu êxtase corporal, pois vinho não faz mal, a mim pelo menos não, este vinho
faz bem ao coração e se foram 7 litros ou mais, hoje não me importa mais.
E o cigarro, pregos brancos de meu
caixão, abusa de minha ilusão de dizer que podem desconfiar, pois aqueles que
não têm o hábito de fumar não sabem o que é discretamente suspirar. E se
suspirei ou não, todas as vezes que acendi meu cigarro revidei com o forte
escarro hoje o que já não me importa mais.
E esses maldizeres todos me fazem
indagar se ainda há algo belo em meu sorriso, se posso contar com o paraíso ao
invés dos berços infernais. E se dessa vida tenho sorte, seja vida seja morte,
Hoje já não me importa mais.
Gabriel
Pontes
AMIGOS!
IGOR
MOREIRA PINTO
ACONTECEU
Grupo
Chocalho comemora o
Dia do Escritor
Durante a solenidade será encerrado o
I Festival Intercolegial de Poesia Estudantil. Com a proposta de levar para as
escolas públicas e privadas um projeto de leitura e escrita, o Festival também
buscou colaborar com a permanência e sucesso dos estudantes na escola, além de
tentar descobrir novos talentos através da poesia.
Estudantes regularmente
matriculados puderam participar do Intercolegial. “Recebemos inscrições até o
dia 30 de junho. O material recebido dava para fazer mais de dez livros de
poesia”, conta o coordenador do Grupo Chocalho, Auriberto Cavalcante.
Na ocasião, para marcar o
encerramento do Festival e premiar os participantes, também será lançado o
Livro-Prêmio, “I Antologia de Poesia Estudantil”, que reúne as 100 poesias que
mais se destacaram no Intercolegial. “O livro, sem dúvida alguma, é o prêmio
maior.
Foi publicado pelas Edições
Chocalho e patrocinado pela Fundação Beto Studart. É importante ressaltar a
participação da Fundação, porque precisamos de mais incentivo à nossa cultura
por parte do setor público”, avalia Auriberto.
Sobre a repercussão do concurso, o
coordenador do Grupo afirma que o resultado foi positivo. “O retorno foi muito
bom. É uma coisa linda, recebemos material de crianças que dava para fazer dois
livros. E isso mostra que é importante estimular, pois quando a criança é
estimulada, ela responde.
O Festival, informou Auriberto,
percebeu grande receptividade por partes das escolas, onde até mesmo as mais
distantes, no interior do Estado, mostraram interesse em participar do
concurso. “O Festival gerou uma discussão grande nas escolas. Houve a
preocupação em participar, discussão em sala de aula e alunos descobrindo a
beleza da poesia. Teve muito estudante que escreveu apenas por escrever, mas
não enviou o material. Isso prova que há interesse, só precisa estimular”,
reflete. Vale destacar que todos os participantes do concurso receberão o
certificado de participação.
Ainda no espírito das homenagens, o
Grupo Chocalho concederá Troféus “Mérito Chocalheiro” para escritores,
apoiadores, escolas que se destacaram no I Festival de Poesia e estudantes
vencedores.
Mérito Chocalheiro
TROFÉU
Receberão o troféu “Mérito
Chocalheiro”: Beatriz Alcântara; Fernando César Mesquita; Francisco Alace Mota
Filho; Fundação Beto Studart; Ideal Club; Petrus Cariry; Sindicato Apeoc; Souto
Paulino e Ubiratan Aguiar.
-É importante reconhecer o papel de
todos que contribuem com a cultura cearense. O nosso professor Souto, por
exemplo, realiza um trabalho muito bonito na Agência da Boa Notícia,
disseminando a cultura de paz.
O Petrus é um jovem que está
seguindo o caminho do pai Rosemberg no cinema. E cinema também é cultura e
poesia. A Beatriz é uma grande escritora. O Sindicato da Apeoc está sempre
apoiando o trabalho do Grupo, assim como a Fundação Beto Studart.
O Ideal está completando 80
anos e sempre abriu as portas para a cultura. Todos que se envolvem com a nossa
cultura, merece o nosso reconhecimento e agradecimento. E o troféu Mérito
Chocalheiro simboliza isso”, explica Auriberto.
Os estudantes que obtiveram o
primeiro, segundo e terceiro lugar dos ensinos Fundamental I, II e Médio,
respectivamente, também receberão o troféu.
E completando a lista dos
homenageados, as escolas de Ensino Fundamental Padre José Arimatéia Diniz e
Organização Educacional Farias Brito receberão o “Mérito Chocalheiro”, pelo
destaque alcançado no I Festival de Poesia.
O Grupo Chocalho aproveita ainda o
evento para marcar o início das comemorações do seu 27º aniversário, data
celebrada em 4 de agosto deste ano.
Grupo Chocalho
Fundado em 4 de agosto de 1984, o
Grupo Chocalho reúne escritores, artistas plásticos, jornalistas, fotógrafos,
músicos, dentre outros, com o objetivo de defender e divulgar a cultura e a
produção cultural, especialmente a cearense. Edita e lança livros e jornais.
Saiba mais no blog: http://grupochocalho.blogspot.com/
Serviço : Solenidade em homenagem ao
Dia do Escritor
Local: Academia Cearense de Letras
(Rua do Rosário, 01 – Centro) ;Data: 25 de julho de 2011;Horário: 08h -Fonte:
Agência da Boa Notícia - (fone: 85 3224 5509)
GABRIEL
PONTES
Dizem que filho de peixe, peixinho é!
E filho de escritor, jornalista? Escritor e jornalista será!. Acontece que em
se tratando de Gabriel Pontes, sua precocidade, seu dom poético, sensibilidade
às coisas do cotidiano triste e da vida de forma incomum, o lançaram para as
letras, para o texto criativo, contos, poemas, cheios de ternura e com aquela
dose de amargura que só os bons vinhos têm, talvez o absinto da alma criadora,
perplexa, diante do ser e do nada.
Sei que não pega bem “lamber a cria”
para não envaidecê-la ou tirar-lhe a autenticidade. Mas quem
tem o dom de escrever, como o espinho logo vem ao furo e espinhos nascem para
picar, para viver entre rosas ou outros espinhos, entre ramos e
folhagens, oculto ou visível, pois essa é sua missão.
E já que ele ainda procura se ocultar
, guardando textos, poemas, contos tão lindos e puros resolvi lançá-lo aqui
nessa página dedicada aos criadores de histórias,( meio a revelia, pois ele
ainda não sabe), no JM JORNAL DO MUNICIPIO , que ele me ajudou a recriar, sem
devassá-lo, pois estou copilando os textos do seu “famoso blog”, La Solitudine.
(http://gabrielpontes.blogspot.com/)
Sou suspeito para falar de Gabriel
Pontes, pois ele é meu filho e já me segue os passos com 18 anos. Estuda
jornalismo na FIC e já estagia numa grande empresa de comunicação. Essa é a sua
cara nova. O que quero lhes mostrar e sua cara “velha”, antes do jornalismo. É
esse o Gabriel que mostraremos aqui, com seus escritos, poemas contos. Que os
leitores ( internautas) tirem suas próprias conclusões.
Espero que ele entenda minha
intenção e não sinta vergonha do que cria. Os livros, os textos, poemas,
escritos são "como os filhos, são do mundo", como os
nossos filhos, como dizia o poeta José Saramago. Temos que cuidá-los
por muito tempo, até que saibam andar, ir e vir, por si sós.. Mas o
trabalho não termia ai , nem nunca: temos o dever de apoia-los nas coisas boas
e ajudá-los a crescer definitivamente.
ELE
Confira
esta e outras histórias em: www.gabrielpontes.com
O
DEVORADOR DE SONHOS
Seu bar simples localizado numa rua não muito movimentada tinha o clima perfeito para aquelas pessoas que procuravam algo a mais que um simples bar. Era pequeno, mas aconchegante, até parecia que havia algo lá, uma energia pacífica que garantia seus clientes. Apesar de ser frequentado por um publico eclético ficava praticamente vazio nos primeiros dias da semana.
O dono era o único funcionário e
executava a tarefa de garçom. Era um moço magrelo que parecia mais um dos
visitantes, do que o dono do bar e já estava acostumado com aquelas figuras
misteriosas que ali freqüentavam todos os dias. Mas de todos um sempre chamava
atenção talvez por não tentar chamar atenção.
No balcão do bar o vinil tocava
aquela música bucólica que o faz boêmio. Executando o seu misterioso ritual ele
que não fuma acendeu um cigarro, ele que não bebe pediu uma dose e sobre aquela
hipnose de Maria Rita cantando Cara Valente viu seu passado latente afogar-se
no fundo do seu copo de cachaça.
Virou o copo de forma enérgica sem fazer aquela cara característica do ‘pós-gole’ de bebida forte. Pediu um cigarro ao garçom que ali depois do balcão fritava batatas a pedido de umas das mesas. Acende-o e deu uma tragada, a primeira, a mais importante de todas, por ser uma forma de suspirar sem que ninguém percebesse. Eis que ali o cara valente entregava-se ao seu medo, as suas dúvidas, as suas angustias.
-Mas quem se importa meu amigo
cigarro? Sou só um fantasma de mim mesmo. Pensou sem esconder dessa vez o
sorriso ao lembrar Nitz.
Pediu mais uma dose e contou suas
moedas certificando-se que dava para voltar para casa de ônibus. Riu com ele
mesmo por alguns segundos, breves segundos e voltou a entornar o copo desta vez
sem raiva aparente. Bebeu em dois goles difíceis e sorriu. Olhou novamente o
fundo do copo e se viu dessa vez. Não sorriu, preferiu ver o rosto dela mesmo
sabendo que era o dele.
‘’-Por que ainda vejo teu rosto
Sophia? Por que não em deixas em paz? ‘’
Pediu dessa vez mais uma dose, e a
degusta.
Aquele sabor amargo que queima sua
língua durante algum tempo. Ele segura. Segura e engole. Lacrimeja. Eis a
punição da língua maldita.
Ele para e pensa o que fazer se a
cada dia que passa indigna-se com essa desgraça de ser. Que não se prestigia
nem mesmo com um elogio, que não sabe se quer amar. Que tenta, mas não pode
pedir demais, não pode cobrar a postura do bom rapaz. Tenta dar o melhor, mas é
como dobrar a natureza das águias que contemplam sua superioridade sendo
castigadas pela solidão que encontra sua existência
E assim como um buraco negro deixa de
gerar sua energia e implode de forma que sua gravidade, imunda e egoísta, não
deixa escapar sua luz. Mostrando para os outros somente a escuridão, o nada. E
aqueles que tentam se aproximar são sugados e despedaçados sem nem perceberem.
Mas eles não entendem, eles não entendem!!
Mas luta, estou de luto. Afastando-se
cada vez mais dele mesmo, escondendo de quem o ama. A cada dia que passa suas
lágrimas apagam as pegadas para que não saiba por onde voltar. Frases e
palavras complicadas, poemas tristes repetidos como orações. Orando várias
vezes baixinho, contemplando cada palavra como se fosse um mantra sagrado:
"Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja... E repete incontáveis vezes, enquanto para e pensa sobre esta existência.
Palavras complicadas em versos
estranhos para explicar coisas simples, coisas que podem ser ditas com beijos,
com gestos. Mas você não vê? Você não vê!?
E assim contempla a sua mendicância,
quando lembra estar sentado numa praça vendo os cisnes se cortejarem e assim
como ele, mas afastados, sentados nos bancos as mesmas pessoas sós, com o mesmo
olhar apaixonado e dolorido, com o mesmo humor fúnebre e o cheiro do fumo
impregnado nas vestes. Ah, como o fumo o liberta, sua forma silenciosa de
suicídio, que mata aos poucos. E quem disse que tem pressa de morrer?
E quanto pensa, bebe e fuma, abraça
sua quimera. Ele se venera como o devorador de sonhos, o devorador de seus
sonhos.
Levanta-se triste e sem se despedir
de ninguém deixa seu refúgio ao som de Jorge Ben tocando ‘O filósofo’, porque
ele, mesmo sendo filósofo não pode falar das coisas belas e das coisas simples e
não vê que o belo pode ser simples e o simples pode ser belo.
POEMA
Irmãs
Parcas
Anciãs
lhe faço um pedido tristonho
Tece
em minha vida uma linda flor de jasmim
E
não mais um monstro bonito e risonho
A
devorar cada pedaço do amor em mim
Neste
tecido rasgado e ensanguentado
Tuas
mão frias fazem dia a dia meu destino
Tece
para mim neste teu gentil traçado
Ou
deixa-me ser um deus, deixa-me ser divino
Trago
das batalhas as cicatrizes
Tantas
quimeras eu enfrentei
Tantos
monstros, doenças e deslizes
Por
várias vezes meu fio fino quase arrebentei
Vejo
este amargo bordado
O
forte cheiro do formol
Que
preserva minha triste história
Narrada
sempre a partir do por do sol
Irmãs
Parcas detentoras do destino
Venha
curar de mim esta ferida
E
se não puder mostre a mim o fio fino
E
corte o fio fino que tece a minha vida
Gabriel
pontes
QUAIS
OS MÉRITOS PARA SER UM IMORTAL NA ABL?
JORNALISTA
MERVAL PEREIRA
O
ESCRITOR ASSIS BRASIL MERVAL PEREIRA É O NOVO
IMORTAL
DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
O jornalista carioca, MERVAL PEREIRA
(foto acima), colunista de "O Globo" e comentarista do canal
Globonews e da rádio CBN, tornou-se um dos nomes mais comentados nos meios literários
do país : ele é um novo imortal da Academia Brasileira de Letras.
Sua eleição reavivou uma antiga
discussão: quem realmente merece fazer parte da Academia Brasileira de Letras e
quais os méritos da escolha?
Merval Pereira, tem dois livros
publicados, sendo uma reunião de artigos,( sozinho), e uma série de
reportagens, em coautoria. Venceu com folga por 25 votos a 13, o escritor
Antônio Torres, 17 obras publicadas, entre romances, contos e crônicas.
Enquanto isso, o escritor piauiense
ASSIS BRASIL, duas vezes condecorado com o Prêmio Walmap de Literatura e
autor de 122 livros publicados, já foi indicado várias vezes para
ocupar uma cadeira na Casa de Machado de Assis e foi preterido.
Ou os acadêmicos da ABL não tomam
conhecimento do que é editado no país, ou estão míopes e continuam a participar
de velhos e carcomidos conchavos.
Se se dessem ao trabalho de ler a
vasta obra desse laureado autor piauiense, membro das duas academias de sua
terra, (a Piauiense e a Parnaibana), por certo fariam justiça ao homem de
letras, simples, que dedicou a vida inteira à literatura, vivendo
dela e para ela e por ela .
ASSIS BRASIL, durante anos foi
critico de Literatura do Jornal do Brasil, e professor de Comunicação na
ECO-UFRJ e hoje mora no Piauí e sobrevive dando palestras em escolas e
universidades. Continua escrevendo e editando novos livros.
Por certo estariam boquiabertos
“esses mortais”, com o vigor e a determinação criadora desse piauiense de
Parnaíba, detentor de tantos prêmios nacionais e que, no entanto, ainda e
injustiçado pela cúpula da Casa de Machado de Assis, que até hoje não escolheu
seu nome para uma cadeira de “imortal”. E precisa mesmo?
Pelo jeito continua o mesmo critério
para escolha de novos imortais na Casa de Machado de Assis, isso sem demérito
do jovem jornalista Merval Pereira, meu colega de imprensa em O GLOBO em 1979:
o critério da época da ditadura, onde general ou escritor de “orelhas” de
livros eram escolhidos como membros da Academia Brasileira de Letras. Lembram
do General Aurélio Lyra Tavares ((31.08.1969 a 30.10.1969-
Junta Militar) ?
Menos sorte também teve o escritor
Agnaldo Silva, que jovem ainda, se candidatou a uma cadeira da ABL e foi
vetado. E olha que Agnaldo é um excelente contista, um dos textos mais belos da
literatura moderna brasileira, isso bem antes de ingressar como autor das
novelas da Globo.
E quanto outros escritores ficaram de
fora nessa escolha de caráter politico e colonialista? É bom nem tocar no
assunto!
(
JOSÉ MÁRIO LIMA)
VEJA A OPINIÃO DE OUTROS
AUTORES ao jornal Folha de São Paulo:
A nova controvérsia deriva, na verdade, de um debate tão antigo quanto a ABL, fundada em 1897. Em seu discurso naquele ano, Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos fundadores, defendia a expansão dos limites da casa.
"Algumas das nossas
individualidades mais salientes nos estudos morais e políticos, no jornalismo e
na ciência, deixaram de ser lembradas. A literatura quer que as ciências, ainda
as mais altas, lhe deem a parte que lhe pertence em todo o domínio da
forma."
A abertura é, ultimamente, uma
política deliberada do presidente da ABL, Marcos Vinicios Vilaça.Shows de samba
na sede e condecorações a boleiros se inserem nesse quadro.
CLUBE FECHADO
O crítico literário Fábio Lucas,
membro das academias Paulista e Mineira de Letras e candidato derrotado à ABL
em 2008, considera que a casa está exagerando na dose.
"As academias [a ABL e as
estaduais] estão reunindo mais notáveis de outras áreas do que da literatura. É
justo que aspiremos um maior número de escritores."
O romancista Cristóvão Tezza aponta
que a diversidade resulta do caráter clubístico da ABL. "É uma instituição
privada, um clube, que estabelece seus próprios critérios e vive sob o impacto
de ondas políticas." Cristovão Tezza diz não ter a menor vontade de
integrar o clube.
Apontado como candidato imbatível,
caso queira concorrer (o que considera "fora de cogitação"), o poeta
Ferreira Gullar, colunista da Folha, avalia que é difícil uma casa nos moldes
da ABL se manter fora do jogo de interesses e pressões políticas.
"Não pertenço a nenhuma
instituição para não ter de lidar com esses problemas. Já tenho problemas
demais", diz, ressalvando que considera Merval Pereira um escritor e um
homem inteligente.
O jornalista e acadêmico Cícero
Sandroni, que já presidiu a ABL, destaca o componente político de uma eleição
na casa. "O Merval é um homem da mídia, alguém que, na política
brasileira, tem importância. Isso pesa para alguns acadêmicos."
Como convém à ABL, um lugar de
políticos no sentido mais amplo do termo, mesmo os que votaram contra Pereira
já o acolhem.
"Votei no Torres, mas não quer
dizer que não queira o Merval. Ele vem nos ajudar a construir uma academia mais
ampla", diz Sandroni.
"Nem sempre a academia elegeu
literatos. Muitos jornalistas foram e são acadêmicos, inclusive meu antecessor
na cadeira 34, Carlos Castelo Branco. Claro que recebo prazerosamente o Merval
como meu novo confrade", disse João Ubaldo Ribeiro, eleitor de Torres.
(Folha)
Domingo, 27 de fevereiro de 2011
PASCHOAL GUIDA
AINDA NUMA NOITE DESSAS
O CÉU TAVA ZUNINDO DE TANTAS ESTRELAS
E EU NEM ME LEMBREI DE GUARDAR UMAS
PRA DAR A VOCÊ, NO DIA DAS MÃES...
EU BOBEEI.
MAS TAMBÉM SE ALGUÉM ME VISSE
TREPADO NO TELHADO, CATANDO ESTRELAS,
HAVERIA DE PENSAR:
- ELE TÁ FICANDO DOIDO!
ROUBANDO AS COISAS DE DEUS
PRA DAR PARA UMA MULHER?
MAS EU SÓ TERIA FEITO POR UMA SANTA
E GARANTO QUE DEUS, NEM IA SE INCOMODAR...
QUEM SABE ATÉ ELE PENSE IGUAL A MIM,
QUE TODAS AS MÃES SÃO SANTAS?
SENÃO ELE NÃO DAVA AQUELE JEITINHO
DE JESUS NASCER DE UMA MULHER!
MAS AGORA, TÔ PENSANDO... TALVEZ
A MINHA IDÉIA NEM FOSSE BOA.
QUEM SABE AS ESTRELAS FICASSEM
CHEIRANDO A COISA GUARDADA?
A NÃO SER QUE EU, É ISSO MESMO MÃE!
A NÃO SER QUE EU JUNTASSE AS ESTRELAS
A UMA PORÇÃO DE ROSAS!
AH, MÃE! EU BOBEEI! E SÓ VOCÊ AGORA
NO SEU JEITO DE SANTA
É QUE PODE ME PERDOAR,
POR NÃO TER UM PUNHADO DE ESTRELAS
COM CHEIRO DE ROSAS,
PRA LHE DAR...
PRA
NÃO DIZEREM QUE
NÃO
SEI O QUE É SAUDADE...
A
SAUDADE É UM SENTIMENTO
QUE
GOSTA DE FICAR VISITANDO A GENTE.
ELA
CHEGA DE REPENTE
E
ASSIM COMO CHEGA,
VAI
EMBORA...
DE
OUTRAS VEZES, ATÉ SE DEMORA,
FUTUCANDO,
REVIRANDO COISAS
QUE
JÁ ESTAVAM QUASE QUE ESQUECIDAS,
COMO
SE BRINCASSE COM FOLHAS AMARELECIDAS,
PRESAS
PELOS CANTOS DA NOSSA ALMA.
ELA
ÀS VEZES NOS TIRA A CALMA,
E
DE OUTRAS VEZES SE FAZ DE BOA,
E
DE OUTRAS, POR UMA COISA À TOA,
NOS
DEIXA COMPLETAMENTE TRISTE...
MAS
EU ACHO QUE A SAUDADE
SÓ
EXISTE MESMO
PRA
CUMPRIR ESTA MISSÃO:
FEITO
UMA BULIÇOSA CRIANÇA
REVIRANDO
PÁGINAS DE LEMBRANÇAS
DENTRO
DE NOSSO CORAÇÃO.
ELA
ÀS VEZES VEM E CHEGA
DE
MANEIRA TÃO DOCE
E
LOGO VAI COMO SE FOSSE
UMA
FORTE CORRENTE,
ARRASTANDO
A GENTE
PARA
OS TEMPOS DE CRIANÇA
QUANDO
AINDA TÍNHAMOS A DOCE ESPERANÇA
DE
UM DIA CONHECER UMA PRINCESA
NUM
CASTELO ENCANTADO,
TODO
ILUMINADO
E
DE FRENTE PARA O MAR...
ONDE
SÓ MORASSE A FELICIDADE,
E
NUNCA, NEM A SOMBRA DA SAUDADE,
NOS
FOSSE VISITAR...
DE
OUTRAS VEZES,
ELA
CHEGA TÃO MANSA
QUE
SE PARECE COM A ESPERANÇA
DE
UM NOVO AMANHECER...
MAS
QUE NADA,
ÀS
VEZES SÓ VEM MESMO
É
PRA ABORRECER
E
NOS DEIXAR A INDIGNAÇÃO...
A
SAUDADE, ÀS VEZES É TÃO DESGRAÇADA,
CHEGA
COMO QUEM NÃO QUER NADA,
E
DEPOIS PERDE A POSTURA,
NOS
ENCHE DE AMARGURA,
E
REACENDE A SOLIDÃO...
OH!
AGORA, POR EXEMPLO:
ELA
ESTÁ MEXENDO
EM
COISAS QUE NÃO DEVIA...
NAS
LEMBRANÇAS QUE FICARAM UM DIA
DE
UMA DOCE
E
INCOMPREENDIDA PAIXÃO.
E
EU NÃO ESTOU GOSTANDO,
PORQUE
NESSA HISTÓRIA
TEM
PÁGINAS E MAIS PÁGINAS DE BELEZA,
MAS
TAMBÉM TEM DE TRISTEZA
E
DE UMA GRANDE DECEPÇÃO.
PRA
FALAR A VERDADE,
SE
VOCÊS ALGUM DIA
JÁ
SENTIRAM SAUDADE,
SABEM
COM CERTEZA,
QUE
TEM VEZES
QUE
ELA É UMA MERDA,
PRINCIPALMENTE
SE VOCÊ A HERDA
DE
UMA FALSA PAIXÃO
NÃO
VÊEM,
O
QUE ELA ESTÁ FAZENDO AGORA?
SE
EU PUDESSE A MANDAVA EMBORA
DIZENDO-LHE,
COM
PEDRAS NA MÃO:
SUMA,
DIABA ASTUTA...
VAI
EMBORA FILHA DA PUTA,
BRINCAR
COM OUTRO CORAÇÃO.
O
SONHO DE ÍCARO...
SOB
OS CÉUS DA MINHA TERRA
(POEMA
DATADO DE 1979, POR OCASIÃO
DO
1º CAMPEONATO CACHOEIRENSE DE VÔO LIVRE)
HOMENS
PÁSSAROS EM REVOADAS
CRUZAM
OS CÉUS DA MINHA TERRA,
NUM
SONHO TONTO DE LIBERDADE...
RASGANDO
O VALE E A CIDADE
SOBRE
O MACACU ENFURECIDO
OU
ÀS VEZES, SERPENTE CALMA
QUE
NUM MURMÚRIO ETERNO
DA
TERRA POSSUI A ALMA
NO
CAMINHO SEMI–LIVRE PARA O MAR.
VOAR
SONHO LOUCO
QUE
APRISIONA OS HOMENS...
E
DESDE ÍCARO NOS CONSOMEM NA VISÃO...
O
QUE SERIA LIBERDADE???
CONQUISTAR
MONTANHAS?
DOMINAR
PLANÍCIES?
VENCER
A MORTE? GANHAR VELHICE?
NASCER
DE NOVO A TODO INSTANTE
COMO
UM PÁSSARO BRILHANTE
E
PODEROSO COMO UM DEUS?
AH,
PRA QUE SONHAR COM TANTA MAGNITUDE
SE
TRANSCREVER PARA O PAPEL NEM PUDE...
O
QUE SERIA LIBERDADE?
VESTIR-SE
PÁSSARO
E
SE JOGAR NO ABISMO,
NUM
VÔO SOBRE A CIDADE
LIVRE
PELOS CÉUS DA MINHA TERRA?
E
QUANDO O SOL INCENDIAR A SERRA
NOS
BRAÇOS O VENTO ADORMECER?
SONHOS
LOUCOS
PERSEGUEM
OS HOMENS...
SE
NÃO FOSSE AS ASAS INVENTADAS
HOJE
NÃO HAVERIAM REVOADAS
SOB
OS CÉUS DA MINHA TERRA.
ONDE
O “NINHO DOS PÁSSAROS”
HÁ
TANTO ESTAVA PURO.
E
NA ESPERA, PREPARADO...
JURO
UM DIA TAMBÉM SER DESCOBERTO
PARA
ENTÃO TAMBÉM PODER VOAR LIBERTO
NAS
ASAS DOS ANJOS DA AVENTURA!
PALAVRAS A UMA
DOCE
E VULGAR
AMANTE...
MAS O QUE EU
GOSTO MESMO
É QUANDO PULAS
MINHA JANELA
E TE DEITAS NA
MINHA CAMA
SOBRE MEU CORPO
ME ENCHENDO DE
LUZ...
POIS QUASE NO
MESMO INSTANTE
EM QUE VOLTAS PRA
SER
MINHA AMANTE,
ME CONDUZ
POR CAMINHOS DE
SONHOS
E DE ESTRELAS...
ESTRELAS
QUE GOSTARIA DE
MANTÊ-LAS
ACESAS NAS MINHAS
MÃOS
FEITO UM BANDO DE
VAGA-LUMES...
PARA QUANDO
NOVAMENTE
ME DEIXASSES COM
CIÚMES
E SOZINHO...
EU PUDESSE
INFESTAR DE BRILHOS
O NOSSO NINHO
E AMENIZAR UM
POUCO DESTA ESCURIDÃO,
QUE A TUA SAUDADE
ENTREMEIA
TODA VEZ QUE
MINH’ALMA TONTEIA
NA MAIS
IRRESISTÍVEL
E INDISFARÇÁVEL
SOLIDÃO...
E DAÍ ENTÃO,
AOS OUTROS POETAS
EU PERDOARIA
SE ME ESFORÇA POR
ENTENDER:
- QUE SENDO ASSIM
TÃO BONITA,
NÃO DEVIAS MESMO
NASCER SÓ PARA UM...
E, SE ÀS VEZES
EU TENTO NÃO SER
EGOÍSTA,
É PORQUE SEI
QUE MUITOS
ARTISTAS
EM TELAS
TAMBÉM GOSTAM DE
TE PRENDER...
SEM FALAR NOS
FOTÓGRAFOS,
ALGUNS METIDOS A
SABICHÃO,
QUE COM
MÁQUINAS-ALÇAPÃO
TE PEGAM E TE
PRENDEM NO PAPEL.
E SEGUES ASSIM,
EM LUA-DE-MEL,
SEM DESTINO,
COM QUALQUER
UM...
COM CÃES VADIOS E
SOLITÁRIOS,
COM ESPERTOS, COM
OTÁRIOS,
COM MENDIGO, COM
RICOS,
COM POBRES, COM
LOUCOS,
COM BÊBADOS,
COM OS BOÊMIOS DA
RUA...
E A TODOS TE
ENTREGAS SEMPRE NUA
EM
DESAVERGONHADAS
TROCAS DE
PRAZER...
MAS AINDA ASSIM,
SER UM DOS TEUS
AMANTES ETERNOS,
EU JURO.
E POR MAIS QUE O
TEU AMOR
NÃO SEJA TÃO
PURO,
EU FINJO NÃO
ENTENDER...
MAS ALGUMAS
COISAS
QUERIA DIZER
E TENS QUE ME
ESCUTAR:
- EU VOU DEIXAR
SEMPRE MEU QUARTO ABERTO
E TODA VEZ QUE
PASSARES POR PERTO
NÃO DEIXES DE
ENTRAR.
PROMETO NUNCA
MAIS TE BOTAR DEFEITO
POR MAIS QUE O
CIÚME, UM DIA,
ME VOLTE A
QUEIMAR O PEITO
ISSO EU POSSO ATÉ
JURAR.
POIS O QUE EU VOU
QUERER MESMO,
QUANDO ESTIVERES
NOVAMENTE NO MEU LEITO
É APENAS TE
AMAR... AMAR... AMAR...
COM TODA A FORÇA
DESTA PAIXÃO
QUE ME EMBRIAGA O
CORAÇÃO
E ME FAZ SONHAR
COM AQUELE DOCE INSTANTE
QUE FEITO FOGO ME
CORRE PELO CORPO
NUM CALOR
ALUCINANTE
O MEU SER AOS
POUCOS VAI DEIXANDO DE SER ARROGANTE
ATÉ QUE POR
COMPLETA E JÁ TÃO FRÁGIL
TODA A MINH'ALMA
ENLOUQUECE E INCENDEIA...
AH!... POR MAIS
QUE A TUA PRESENÇA NÃO SEJA CONSTANTE
EU VOU SEMPRE
QUERER SER TEU AMANTE
MINHA DOCE E
QUERIDA LUA CHEIA.
A
PAZ QUE MINH'ALMA QUER
MERGULHAR
NO CASTANHO-ESCURO
DOS
TEUS OLHOS...
É
COMO ME PERDER EM ABROLHOS,
TENTANDO
DESVENDAR DE UM MAR IMENSO,
OS
SEGREDOS...
É
QUERER VIAJAR SEM MEDOS
PELAS
PROFUNDEZAS DE TUA ALMA
Á
PROCURA DE UM LUGAR DE CALMA
E
PAZ
ONDE
EU PUDESSE PENETRAR
E
NÃO SAIR NUNCA MAIS.
FICAR
SUBMERSO ETERNAMENTE
EM
MEIO A UM TURBILHÃO DE DESEJOS,
FASCINADO
COMPLETAMENTE
PELO
CANTO E PELOS BEIJOS,
DE
UMA SEREIA FEITO MULHER...
AINDA
QUE SEJA
SOMENTE
AQUILO QUE A MINHA CARNE DESEJA
É
MUITO MAIS
É
A PAZ
QUE
MINH'ALMA QUER!
A
BRISA E O POETA
Abençoada sejas,
Tu que me beijas
Trazendo o frescor
das matas,
Das grotas úmidas,
dos riachos,
Das cascatas...
E ainda de carona
No teu aroma o perfume
Das flores
selvagens...
Há! Doce aragem...
És um bálsamo para
minha alma,
E pro meu coração um
conforto,
Faz de mim sempre o
teu porto
Pois eu gosto de
sonhar...
Com os pássaros
cantando na floresta
Quando a aurora se
manifesta
E o dia tá querendo
acordar...
Gosto de ouvir as
juritís, os inhambus,
As capoeirinhas, os
macucos...
São como dezenas,
centenas,
Milhares de cucos,
Querendo nos deixar
de prontidão,
Em alerta...
Para a mais doce
Convulsão de beleza,
Aquela que se instala
na natureza
Quando o dia
desperta!
E como é gostoso
também
Deitar à tarde em tua
companhia
À beira de um
riacho...
Sobre as folhas secas
Por debaixo da mata.
No coração,
É como um dique que
explode,
Um nó que desata...
E a gente se deixa
levar docemente
Pelo murmúrio das
águas
Despindo a alma de
todas as mágoas,
Querendo apenas
lembrar,
Dos momentos felizes
Que deixaram as
raízes
Querendo brotar...
E se de repente,
Ainda em tua
companhia,
À noite me pega sem
lua cheia,
As montanhas viram
cadeias,
Onde posso, se
quiser,
Aprisionar...
Milhões, bilhões,
trilhões de estrelas,
Basta para isso,
prendê-las,
Com o mandato
De um simples
olhar...
Ah! Minha brisa
querida,
Como é gostoso e
embriagante
O teu perfume...
Às vezes até sinto
ciúmes
Que em outros também
Tu possas tocar,
Fazendo o mesmo que
Fazes comigo,
Pois quando me
abraças
Eu já não consigo
Parar de sonhar...
Com os mais doces
instantes
Aqueles que se
fizerem brilhantes
Pra nunca mais
apagar...
Bendita...
Um bilhão de vezes,
Bendita sejas,
Tu que me beijas
Sem nada esperar...
Embora saibas e é bom
que saibas:
Que qualquer dia
desses
Me jogo
definitivamente nos teus braços,
Deposito neles todos
os meus fracassos,
E vou viajar...
Por outras
galáxias...
Quem sabe, em outra
dimensão?...
Mas, os meus rastros
eu deixo no chão,
Pra que tu possas
sempre beijar...
E assim, também eu em
qualquer lugar,
Que estiver do
universo,
Estarei sempre te
mandando meu verso
Na primeira estrela
que bilhar!...
Paschoal
Guida
POLIDOR
DE ESTRELAS
Quando chegar
definitivamente
A minha hora,
E se por acaso um
anjo bom vier
E me disser:
- Vem, vamos embora!
E se ainda por acaso,
Sem demora, em
espírito,
Ele me levar à
presença de Deus,
Vou pedir, pelos
olhos teus,
Que me deixe tomar
conta
Dos campos
estrelados,
Vou querer ser mais
um
Dos seus encarregados
Para polir
estrelas...
E, assim, sei que ao
vê-las,
Lembrarás de mim
Com alguma saudade...
Na realidade,
Quantas vezes,
Juntos ficamos
Por doces momentos,
Olhando o firmamento
Entre promessas e
juras...
E como sei que não
gostas
De noites escuras,
Vou oferecer-te ainda
As noites mais lindas
Depois que eu
morrer...
Um amor igual a esse
não se finda
Enquanto meu espírito
viver.
E como sei também,
Que Deus gosta de
fazer
As coisas sempre
perfeitas,
Tenho certeza que
serás
Novamente minha
eleita,
Depois que esse mesmo
anjo
Te
aparecer.
Paschoal
Guida
POBRE
RIO MACACU...
Canhões de fezes
Detonam a todo
instante
No teu peito...
Em um desrespeito,
Uma agressão
Desmedida
E sem compostura,
Teimam em denegrir
teu leito,
Macular a tua alma
Que nasceu tão pura,
Do fundo da terra,
No alto das serras,
Entre escarpas
altaneiras
Distribuindo
nascentes,
De águas
transparentes
Formando corredeiras
E nos desmanches das
Cachoeiras
Banhando corpos,
Matando a sede,
Até que te pegam na
rede
De esgoto da cidade,
Onde a cumplicidade,
Pertence a todos nós,
Mas poucos importam
A tua voz...
Somente eu, no
entanto,
Quando ouço o teu
canto,
Me sento a teu lado
E fico calado,
Auscultando teu coração,
Tua agonia, tua dor,
Tua aflição,
As tuas mágoas...
E aí então,
O meu pranto
Semeio nas tuas
águas,
Na esperança de te
Reciclar...
Eu sei que é tola e
infantil
Minha atitude,
Mas quando lembro que
pude
Outrora
Em teu límpido corpo
Me
banhar,
Uma enorme e
inevitável
Dor me toma o peito,
E desse jeito
O que sei é chorar...
Pela tua imundice,
Pela cretinice,
De toda essa gente,
Pelos governos
Incompetentes
Que nunca se
sensibilizaram
Com teu gemido de
morte...
E segues assim tua
sorte,
Sob meu olhar brilhante,
Como se fosse um
errante,
Levando pelos
distritos:
Objetos,
Dejetos,
Detritos
Lixos
Bichos
De todas as espécies:
Gatos mortos,
cachorros,
Galinhas e até
cavalo...
Tudo num só embalo,
De presente para o
mar.
Farta, nojenta e
macabra
É a nossa oferenda...
Mas tem gente que não
se
Emenda
E continua com a
grosseria,
Com a descortesia,
Sem sequer ouvir tua
voz...
Pobre de ti sem
torrente,
Pobre de toda essa
gente,
Paschoal
Guida
( Poema
)
Filhos são do mundo
José Saramago
Devemos criar os filhos para o mundo.
Torná-los autônomos, libertos, até
Especialistas ensinaram-nos a acreditar
que só esta postura torna adulto
aquele bebê que um dia levamos na barriga.
E a maioria de nós pais
acredita e tenta fazer isso. O que não
nos impede de sofrer quando fazem
escolhas diferentes daquelas que
gostaríamos ou quando eles próprios
sofrem pelas escolhas que recomendamos.
Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de
como amar alguém além de nós mesmos, de
como mudar nossos piores
defeitos para darmos os melhores
exemplos e de aprendermos a ter
coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o
maior ato de coragem que alguém
pode ter, porque é se expor a todo tipo
de dor, principalmente da
incerteza de estar agindo corretamente
e do medo de perder algo tão amado.
Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então,
de quem são nossos filhos? Eu acredito
que são de Deus, mas com respeito
aos ateus digamos que são deles
próprios, donos de suas vidas, porém, um
tempo precisaram ser dependentes dos
pais para crescerem, biológica,
sociológica, psicológica e
emocionalmente.
E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam
retornar em sorrisos, orgulho, netos e
amparo na velhice? Pensar assim é
entender os filhos como nossos e eles,
não se esqueçam, são do mundo!
Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os
fllhos, olho meus pequenos pimpolhos e
penso como seria bom se não
fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles
são do mundo. O problema é que meu
coração já é deles.
Santo anjo do Senhor...
É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e
aproveitar todos os momentos possíveis
ao lado das nossas 'crias', que
mesmo sendo 'emprestadas' são a maior
parte de nós !!!
"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver "
José Saramago
"Que a estrada se abra a sua frente.
Que o vento sopre levemente às suas
costas.
Que o sol brilhe morno e suave em sua
face.
Que a chuva caia de mansinho em seus
campos.
E até que nos encontremos de novo, que
Deus lhe guarde na palma de suas
mãos"
O MENINO QUE NÃO TEVE INFÂNCIA
ORION
LIMA
Quando a mãe morreu ele só tinha oito
anos de idade. O pai era comerciante e não entendia nada de educação, pois
também não a teve. Seus pais eram rudes e sem muito saber. Ele se orgulhava em
dizer que era filho de portugueses, mas casou com uma bela negra e com ela só
teve um filho.
O menino depois da morte da mãe foi morar com duas tias velhas. Quando o pai casou de novo as tias velhas se retiraram do cenário, e a madrasta assumiu o novo lar e a educação do menino. Ali acabaram seus sonhos e dias de ser criança.
- Menino nessa idade tem que estudar e trabalhar – dizia a madrasta.
E o pai dele, vendo no filho uma maneira de ganhar mais uns trocados, o colocou nas feiras livres para vender verduras.
Assim acordava bem cedo, ainda escuro para pegar as verduras e vendê-las na feira. O “bêabá” a madrasta é quem ensinava. Ela se orgulhava de dizer que “era professora formada”.
Era um tempo de carrancismo, onde a violência imperava na educação e aquele que não aprendesse a lição era castigado.
Com ela, ou se decorava a tabuada ou apanhava doze “bolos”, com a velha palmatória de “maçaranduba”, um tipo de madeira dura e cheia de farpas.
Ele sempre sonhava com a mãe que morreu tuberculosa. Não havia tratamento adequado para doença naquela época. E a doença a pegou de cheio, pois não se alimentava direito, devido aos maus tratos e as magoas que tinha do marido.
À noite, quando chegava da escola, mesmo cansado, o menino tentava brincar com carrinhos feitos de latas de sardinha. E dobrava a lingueta da lata dando-lhe a forma de uma boleia; fazia um furo na frente, amarrava um cordão e ficava pra lá e pra cá imitando um caminhão.
O tempo era de muito atraso e restrições. O País ainda sofria os efeitos da Segunda Grande Guerra e faltava quase tudo. Não existia luz elétrica e as lamparinas e lampiões é que iluminavam a noite.
Até querosene faltava, pois era importado. O jeito era usar as lamparinas de carbureto, um produto utilizado em soltas, para a produção do acetileno. Colocava-se o carbureto de cálcio dentro da água e a reação libera o gás, que alimentava as luminárias.
Essa época ficou conhecida como dos “gasômetros”.Os gêneros alimentícios eram escassos, o fogão era a lenha ou carvão. A carne tinha que ser consumida no dia ou salgada, pois não existiam geladeiras domesticas. As indústrias eram insipientes e artesanais. Quem tinha um velho radio, era considerado rico.
Lembrava da madrasta “salgando a carne e colocando em cordéis para secar ao sol”. O mesmo era feito com o peixe. Galinhas, frangos, só existiam em quintais e era comida para mulher quando “dava a luz.”
Nessa época terminou o ensino básico, que chamavam de “primário”, e trabalhava para ajudar o pai. O velho pai sempre foi vivedor e não tinha meios certos para sobreviver. Ora abria uma carvoaria, ora uma mercearia, so não ficava parado, pois era pau para toda obra.
Com a segunda guerra, aproveitou a crise para tirar proveito dela. Montou uma bodega e vendia de tudo. O dinheiro do apurado guardava dentro de um velho cofre que só ele tinha o segredo. Quando o abria pela manhã, dava para se ver as pilhas de notas arrumadas, uma ao lado das outras.
Gostava de criar animais. Na sua casa tinha tudo que é ave silvestre e até um urubu, que ele criou desde filhotinho. Durante muitos anos, Onofre, o urubu, voltava todas as tardes para seu poleiro no quintal. Quando o velho cortava carne, bastava bater tábua e o urubu descia para comer. Um dia juntou-se ao bando e nunca mais voltou.
O velho não era letrado, mas fazia de tudo um pouco: era mecânico hidráulico, encanador, eletricista, cavava poços artesanais, fazia cercas, e tinha uma mania obsessiva pelo trabalho. “Chegava a desmanchar uma cerca feita no dia anterior, para fazê-la novamente no outro dia, só para não ficar parado”.
Um dia cismou de comprar um macaco prego que lhe deu uma dor de cabeça danada. A casa onde morava era de parede “meeira”, - dividida com a outra, apenas por uma parede. Na casa do lado morava um português que tinha o hábito de dormir nu.
Um dia foi aquele escânda-lo: o macaco se soltou e pulou na rede do português, que acordou assustado e aos gritos ficou dando tiros no macaco, com uma velha espingarda socadeira.
Adorava a pesca. Saia de noite e voltava no romper do dia, com sacos de siris, caranguejos e peixes variados. Gostava de contar “causos”, estórias mirabolantes e inusitadas para seus fregueses. Com essas lorotas , tentava impressioná-los e fazer-lhes medo. Eram as velhas histórias de pescador:
“Não se esquecia do susto, no dia que viu um homem enforcado numa árvore... Da carreira que levou na mata, quando viu um homem com olhos de fogo andando próximo ao rio”. Verdade, mentira? Ninguém sabia, mas todos o ouviam com muita atenção!
Outra confusão que lembrava das maluquices do pai: o velho tinha uma cadela e deu-lhe o nome de “seu cú”. A madrasta protestou:
- Isso e nome de se dar a uma cadela?
Mas ele, um gozador nato, dava risadas e ninguém ousava desobedecer as suas ordens. A cadela era mansinha e passava o dia inteiro dormindo na entrada da mercearia e nem ladrava. A todos conhecia.
Um dia uma mulher recém-chegada ao bairro, que não conhecia suas brincadeiras, entrou na bodega e a cadela começou a rosnar.
E temendo que a cadela mordesse a mulher, num tom bem sério disse:
- Dona, cuidado com “seu cú”, que ela pode lhe morder!
A mulher ficou “irrada”, possessa, exigindo respeito a ela. E só a muito custo acreditou que “seu cú” era o nome da cadela e não um impropério que ele lhe estava dirigindo.
O velho gostava de fumar um bom charuto, depois do almoço ou jantar... De comer comidas gordurosas, do tipo rabada, mocotó de boi ou buchada. Eram comidas pesadas, “mas que davam sustança, força para o trabalho, dizia. Só que esse hábito lhe deixou, mais tarde, com arteriosclerose.
Assim o menino passou a infância, entre as grosserias do pai, a brutalidade da madrasta, trabalhando desde os oito anos, sem “infância” como costumava dizer. O pai justificava que só assim ele seria “um homem de verdade” e por isso não o dispensava da venda de verduras na feira.
O estudo era limitado e forçado pela a madrasta, que o maltratava de todas as formas. Tudo servia de protesto para castigá-lo. Na boca dela o menino não prestava e não ia dar pra gente: “era um negrinho inútil!”
Isso sempre foi um motivo de raiva para ele. Recordava cheio de magoa, muitos anos depois, as surras que levou com corda crua ou cinturão de couro, só por que era peralta como todo menino de sua idade.
Recordava o dia que amarrou um pedaço de papel no rabo do gato da madrasta e tocou fogo!
Era a maneira de se vingar dela. O gato subiu aos telhados em disparada, com o rabo em fogo. Por isso teve que dormir vários dias no mato, com medo da surra que levaria do pai e da madrasta.
A noite aparecia na casa das tias para comer alguma coisa e só voltou pra casa quando a raiva deles havia passado e, mesmo assim, com a promessa que o pai fez as tias, de “ não lhe castigar”.
Naquele tempo não havia calçamento nas ruas, o que imperava era o areal. Como morava próximo a praia, enchia os pés de “bicho de pé”.
A madrasta retirava “os bichos”, um a um, e depois batia com um tamanco nos ferimentos para que “ele não apanhasse mais bichos nos areais”, outra vez. Os pés ficavam inchados e ela os lavava com água quente e sal para que não “inflamasse”.
Não esquecia a promessa de sua mãe ao morrer:
- Nunca o abandonarei! E não abandonou.
Isso se cumpriu por muitos anos, mas ele não podia falar o que via ou ouvia, se não o castigo da madrasta seria coisa certa.
À noite, quando deitava n a rede para dormir, ouvia a voz de sua mãe cantando “cantigas de ninar”. Ela balançava sua rede até que ele dormisse.
Esse era o momento mais feliz daqueles dias de criança, ate crescer e descobrir o amor de sua vida: uma menina loirinha, filha de uma vizinha de seu pai. Namoravam escondidos e trocavam olhares pela cerca, pois a mãe dela não queria que a filha namorasse um “negro”.
O tempo passou e já estava homem formado, a guerra começava a ser vencida pelos aliados. Mas só deixou de ouvir o canto de ninar da mãe depois que casou e foi morar na sua própria casa.
O sofrimento dos tempos de menino nunca esqueceu. Tinham lhe marcado a alma. Era tímido, calado, e não sabia o que era um gesto de amor, um carinho, antes do casamento. A esposa passou a ser a mãe que não teve, pois lhe deu amor e muitos filhos.
Quando “bebia uma “pinguinha”, desabafava: dizia que a madrasta era uma megera, árvore que não deu frutos” e que merecia ser cortada e lançada ao fogo, pois ela não teve filhos com o velho.
E contava pra qualquer um, todo seu sofrimento, dos oito aos vinte um anos, quando casou e deixou a casa do pai. Ficara marcado com ferro em brasa como animal.
Gostava de dizer essa frase:
- Não tive infância! Não tive infância!
Esse o seu lamento, a sua dor maior.
Bem que era verdade que não tivera infância, mãe, mas a vida o ensinou a trabalhar, a reagir de uma forma positiva. Cresceu por seus próprios méritos. Seu primeiro emprego foi como contínuo de uma farmácia, fazendo também a vez de zelador.
Assim foi conquistando a amizade do farmacêutico e como era muito inteligente e observador, logo aprendeu a aviar fórmulas. Naquela época não existia em seu estado uma Faculdade de Farmácia.
Como se tornara um “prático” precisava de um diploma para exercer a profissão. Teve que fazer o curso de Farmacêutico Prático, organizado pelo Ministério da Saúde, em sua primeira turma, e passou com louvor. A essa altura já criava suas próprias fórmulas, seus elixires, tinturas, pomadas, pozinhos mágicos que curavam mesmo.
Todos no bairro o prestigiavam e sua fama correu pelo mundo de então, pois todos o tinham como um “curador”. Onde morava era conhecido como Doutor, o médico dos pobres, num tempo em que a medicina se restringia a alguns hospitais e as clínicas médicas das sociedades beneficentes.
Todos o conheciam, todos o amavam. Passava uma confiança enorme a seus pacientes. Era capaz de “curar” com um copo d’água. E dizia que era orientado por “vozes” que não sabia explicar, pois também era “adepto do Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento”, que conheceu através de um livreto, mas que nunca o freqüentou...
Assim manipulando fórmulas, e atendendo como enfermeiro, criou os filhos e viu a maioria deles formados. Sempre foi muito apoiado pela esposa. Ela o ajudava em tudo e até aprendeu a aplicar injeções com ele.
Não ficou rico. Sua maior riqueza, “dizia ser o dom que Deus lhe deu”. Sempre foi devoto de Nossa Senhora da Conceição, a quem chamava de “madrinha”. Quando chegava a casa para almoçar, antes acendia uma velinha aos pés da imagem da Santa. Morreu velhinho, com um sorriso nos lábios, cercado pelos filhos, cheio de netos e de amigos.
Essa história aconteceu num tempo de conflitos mundiais que terminaram em Hiroshima e Nagasaki e que se seguiu Século XX afora. De limitações, pobreza e dor, a história de um menino preto, pobre, sem mãe, que sofreu maus tratos e expiou dividas. A história do “menino que não teve infância”, digno e útil, que cumpriu o seu destino, que, como acreditava, “já estava escrito”.
O menino depois da morte da mãe foi morar com duas tias velhas. Quando o pai casou de novo as tias velhas se retiraram do cenário, e a madrasta assumiu o novo lar e a educação do menino. Ali acabaram seus sonhos e dias de ser criança.
- Menino nessa idade tem que estudar e trabalhar – dizia a madrasta.
E o pai dele, vendo no filho uma maneira de ganhar mais uns trocados, o colocou nas feiras livres para vender verduras.
Assim acordava bem cedo, ainda escuro para pegar as verduras e vendê-las na feira. O “bêabá” a madrasta é quem ensinava. Ela se orgulhava de dizer que “era professora formada”.
Era um tempo de carrancismo, onde a violência imperava na educação e aquele que não aprendesse a lição era castigado.
Com ela, ou se decorava a tabuada ou apanhava doze “bolos”, com a velha palmatória de “maçaranduba”, um tipo de madeira dura e cheia de farpas.
Ele sempre sonhava com a mãe que morreu tuberculosa. Não havia tratamento adequado para doença naquela época. E a doença a pegou de cheio, pois não se alimentava direito, devido aos maus tratos e as magoas que tinha do marido.
À noite, quando chegava da escola, mesmo cansado, o menino tentava brincar com carrinhos feitos de latas de sardinha. E dobrava a lingueta da lata dando-lhe a forma de uma boleia; fazia um furo na frente, amarrava um cordão e ficava pra lá e pra cá imitando um caminhão.
O tempo era de muito atraso e restrições. O País ainda sofria os efeitos da Segunda Grande Guerra e faltava quase tudo. Não existia luz elétrica e as lamparinas e lampiões é que iluminavam a noite.
Até querosene faltava, pois era importado. O jeito era usar as lamparinas de carbureto, um produto utilizado em soltas, para a produção do acetileno. Colocava-se o carbureto de cálcio dentro da água e a reação libera o gás, que alimentava as luminárias.
Essa época ficou conhecida como dos “gasômetros”.Os gêneros alimentícios eram escassos, o fogão era a lenha ou carvão. A carne tinha que ser consumida no dia ou salgada, pois não existiam geladeiras domesticas. As indústrias eram insipientes e artesanais. Quem tinha um velho radio, era considerado rico.
Lembrava da madrasta “salgando a carne e colocando em cordéis para secar ao sol”. O mesmo era feito com o peixe. Galinhas, frangos, só existiam em quintais e era comida para mulher quando “dava a luz.”
Nessa época terminou o ensino básico, que chamavam de “primário”, e trabalhava para ajudar o pai. O velho pai sempre foi vivedor e não tinha meios certos para sobreviver. Ora abria uma carvoaria, ora uma mercearia, so não ficava parado, pois era pau para toda obra.
Com a segunda guerra, aproveitou a crise para tirar proveito dela. Montou uma bodega e vendia de tudo. O dinheiro do apurado guardava dentro de um velho cofre que só ele tinha o segredo. Quando o abria pela manhã, dava para se ver as pilhas de notas arrumadas, uma ao lado das outras.
Gostava de criar animais. Na sua casa tinha tudo que é ave silvestre e até um urubu, que ele criou desde filhotinho. Durante muitos anos, Onofre, o urubu, voltava todas as tardes para seu poleiro no quintal. Quando o velho cortava carne, bastava bater tábua e o urubu descia para comer. Um dia juntou-se ao bando e nunca mais voltou.
O velho não era letrado, mas fazia de tudo um pouco: era mecânico hidráulico, encanador, eletricista, cavava poços artesanais, fazia cercas, e tinha uma mania obsessiva pelo trabalho. “Chegava a desmanchar uma cerca feita no dia anterior, para fazê-la novamente no outro dia, só para não ficar parado”.
Um dia cismou de comprar um macaco prego que lhe deu uma dor de cabeça danada. A casa onde morava era de parede “meeira”, - dividida com a outra, apenas por uma parede. Na casa do lado morava um português que tinha o hábito de dormir nu.
Um dia foi aquele escânda-lo: o macaco se soltou e pulou na rede do português, que acordou assustado e aos gritos ficou dando tiros no macaco, com uma velha espingarda socadeira.
Adorava a pesca. Saia de noite e voltava no romper do dia, com sacos de siris, caranguejos e peixes variados. Gostava de contar “causos”, estórias mirabolantes e inusitadas para seus fregueses. Com essas lorotas , tentava impressioná-los e fazer-lhes medo. Eram as velhas histórias de pescador:
“Não se esquecia do susto, no dia que viu um homem enforcado numa árvore... Da carreira que levou na mata, quando viu um homem com olhos de fogo andando próximo ao rio”. Verdade, mentira? Ninguém sabia, mas todos o ouviam com muita atenção!
Outra confusão que lembrava das maluquices do pai: o velho tinha uma cadela e deu-lhe o nome de “seu cú”. A madrasta protestou:
- Isso e nome de se dar a uma cadela?
Mas ele, um gozador nato, dava risadas e ninguém ousava desobedecer as suas ordens. A cadela era mansinha e passava o dia inteiro dormindo na entrada da mercearia e nem ladrava. A todos conhecia.
Um dia uma mulher recém-chegada ao bairro, que não conhecia suas brincadeiras, entrou na bodega e a cadela começou a rosnar.
E temendo que a cadela mordesse a mulher, num tom bem sério disse:
- Dona, cuidado com “seu cú”, que ela pode lhe morder!
A mulher ficou “irrada”, possessa, exigindo respeito a ela. E só a muito custo acreditou que “seu cú” era o nome da cadela e não um impropério que ele lhe estava dirigindo.
O velho gostava de fumar um bom charuto, depois do almoço ou jantar... De comer comidas gordurosas, do tipo rabada, mocotó de boi ou buchada. Eram comidas pesadas, “mas que davam sustança, força para o trabalho, dizia. Só que esse hábito lhe deixou, mais tarde, com arteriosclerose.
Assim o menino passou a infância, entre as grosserias do pai, a brutalidade da madrasta, trabalhando desde os oito anos, sem “infância” como costumava dizer. O pai justificava que só assim ele seria “um homem de verdade” e por isso não o dispensava da venda de verduras na feira.
O estudo era limitado e forçado pela a madrasta, que o maltratava de todas as formas. Tudo servia de protesto para castigá-lo. Na boca dela o menino não prestava e não ia dar pra gente: “era um negrinho inútil!”
Isso sempre foi um motivo de raiva para ele. Recordava cheio de magoa, muitos anos depois, as surras que levou com corda crua ou cinturão de couro, só por que era peralta como todo menino de sua idade.
Recordava o dia que amarrou um pedaço de papel no rabo do gato da madrasta e tocou fogo!
Era a maneira de se vingar dela. O gato subiu aos telhados em disparada, com o rabo em fogo. Por isso teve que dormir vários dias no mato, com medo da surra que levaria do pai e da madrasta.
A noite aparecia na casa das tias para comer alguma coisa e só voltou pra casa quando a raiva deles havia passado e, mesmo assim, com a promessa que o pai fez as tias, de “ não lhe castigar”.
Naquele tempo não havia calçamento nas ruas, o que imperava era o areal. Como morava próximo a praia, enchia os pés de “bicho de pé”.
A madrasta retirava “os bichos”, um a um, e depois batia com um tamanco nos ferimentos para que “ele não apanhasse mais bichos nos areais”, outra vez. Os pés ficavam inchados e ela os lavava com água quente e sal para que não “inflamasse”.
Não esquecia a promessa de sua mãe ao morrer:
- Nunca o abandonarei! E não abandonou.
Isso se cumpriu por muitos anos, mas ele não podia falar o que via ou ouvia, se não o castigo da madrasta seria coisa certa.
À noite, quando deitava n a rede para dormir, ouvia a voz de sua mãe cantando “cantigas de ninar”. Ela balançava sua rede até que ele dormisse.
Esse era o momento mais feliz daqueles dias de criança, ate crescer e descobrir o amor de sua vida: uma menina loirinha, filha de uma vizinha de seu pai. Namoravam escondidos e trocavam olhares pela cerca, pois a mãe dela não queria que a filha namorasse um “negro”.
O tempo passou e já estava homem formado, a guerra começava a ser vencida pelos aliados. Mas só deixou de ouvir o canto de ninar da mãe depois que casou e foi morar na sua própria casa.
O sofrimento dos tempos de menino nunca esqueceu. Tinham lhe marcado a alma. Era tímido, calado, e não sabia o que era um gesto de amor, um carinho, antes do casamento. A esposa passou a ser a mãe que não teve, pois lhe deu amor e muitos filhos.
Quando “bebia uma “pinguinha”, desabafava: dizia que a madrasta era uma megera, árvore que não deu frutos” e que merecia ser cortada e lançada ao fogo, pois ela não teve filhos com o velho.
E contava pra qualquer um, todo seu sofrimento, dos oito aos vinte um anos, quando casou e deixou a casa do pai. Ficara marcado com ferro em brasa como animal.
Gostava de dizer essa frase:
- Não tive infância! Não tive infância!
Esse o seu lamento, a sua dor maior.
Bem que era verdade que não tivera infância, mãe, mas a vida o ensinou a trabalhar, a reagir de uma forma positiva. Cresceu por seus próprios méritos. Seu primeiro emprego foi como contínuo de uma farmácia, fazendo também a vez de zelador.
Assim foi conquistando a amizade do farmacêutico e como era muito inteligente e observador, logo aprendeu a aviar fórmulas. Naquela época não existia em seu estado uma Faculdade de Farmácia.
Como se tornara um “prático” precisava de um diploma para exercer a profissão. Teve que fazer o curso de Farmacêutico Prático, organizado pelo Ministério da Saúde, em sua primeira turma, e passou com louvor. A essa altura já criava suas próprias fórmulas, seus elixires, tinturas, pomadas, pozinhos mágicos que curavam mesmo.
Todos no bairro o prestigiavam e sua fama correu pelo mundo de então, pois todos o tinham como um “curador”. Onde morava era conhecido como Doutor, o médico dos pobres, num tempo em que a medicina se restringia a alguns hospitais e as clínicas médicas das sociedades beneficentes.
Todos o conheciam, todos o amavam. Passava uma confiança enorme a seus pacientes. Era capaz de “curar” com um copo d’água. E dizia que era orientado por “vozes” que não sabia explicar, pois também era “adepto do Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento”, que conheceu através de um livreto, mas que nunca o freqüentou...
Assim manipulando fórmulas, e atendendo como enfermeiro, criou os filhos e viu a maioria deles formados. Sempre foi muito apoiado pela esposa. Ela o ajudava em tudo e até aprendeu a aplicar injeções com ele.
Não ficou rico. Sua maior riqueza, “dizia ser o dom que Deus lhe deu”. Sempre foi devoto de Nossa Senhora da Conceição, a quem chamava de “madrinha”. Quando chegava a casa para almoçar, antes acendia uma velinha aos pés da imagem da Santa. Morreu velhinho, com um sorriso nos lábios, cercado pelos filhos, cheio de netos e de amigos.
Essa história aconteceu num tempo de conflitos mundiais que terminaram em Hiroshima e Nagasaki e que se seguiu Século XX afora. De limitações, pobreza e dor, a história de um menino preto, pobre, sem mãe, que sofreu maus tratos e expiou dividas. A história do “menino que não teve infância”, digno e útil, que cumpriu o seu destino, que, como acreditava, “já estava escrito”.
NOTÍCIAS
LITERÁRIAS
ASSIS
BRASIL :
O
LAUREADO ESCRITOR PIAUIENSE
E
SEU NOVO LIVRO: A CURA PELA VIDA
"Um
livro belíssimo, que nos mostra
o
homem culto, além do criador.
ORION
LIMA
O que leva um homem a dedicar uma vida
inteira a arte de escrever? São seus sonhos, desejos, vaidade, ou há algo de
oculto nesse mister divino, a arte de contar histórias? Assis Brasil talvez
tenha essa resposta, mas não quis nos dar, porque tem vivido uma existência dedicada
a criá-las, como se fosse o nutridor dessa necessidade ,que o ser humano
adquiriu, com a experiência tribal, ao lado das fogueiras ancestrais, até que
surgisse a palavra escrita: contar histórias.
E não há nada que expresse mais esse
dom, do que a capacidade de introjetar de si mesmo , a mesma dor, o mesmo
grito, vagido dos que nascem e terão que se perpetuar e se tornar incomuns,
para o engrandecimento da raça humana. Conheço Assis Brasil desde os meus
tenros 21 anos, quando fui seu aluno na Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Hoje já passei da casa dos 60.
Sua devoção por escrever, criar, me
contaminou e moldou por muitas décadas meu destino. Ouvi muitas histórias de
Assis Brasil em primeira mão, quando eram ainda simples idéias e, comunguei com
ele do sucesso de sua Obra, hoje grandiosa, ímpar e imortal.
Tentei seguir seus passos na
literatura, sem imitá-lo, e terminei por transformá-lo, sem querer, em muitos
personagens de meus livros inéditos, tão rica e viva era a lembrança de um
homem moldado para a criação e para as letras, mais afeito aos caprichos da
arte , do que das veleidades e vicissitudes de uma vida comum, tão pequena
entre tantos, que buscam aqui, um lugar ao sol.
Ainda tenho sua velha maquina de
escrever, máquina esta com a qual criou livros maravilhosos; o original de “O
Sol, Deus e Shakespeare” , e um cem numero de recordações, de papos infindáveis
sobre literatura, nos tempos do Jornal do Escritor e Revista Leitura. De nosso
convívio amigável com Fausto Cunha, Samuel Rawet, José Louzeiro, Osmar
Rodrigues Marques. Das viagens aos congressos literários e da rotina nas
redações de jornais.
Foram tempos amargos e ao mesmo tempo
felizes. Não tínhamos liberdade de expressão, mas éramos livres e vivíamos a mesma
vidinha de sempre, entre sonhos, projetos literários. Só que Assis Brasil os
concretizava, metodicamente, enquanto eu aguardava um novo tempo para nascer
literariamente.
Ao abrir seu livro mais recente, “A
Cura pela Vida”, foi como tomar um banho lustral na aura “maldita” que encobre
os criadores e vi que Assis Brasil não mudou muito desde nosso último encontro,
no inicio da década de 90 , quando fui casar no Rio, e em sua casa fizemos uma
espécie de "despedida entre velhos amigos". E com que força essas
palavras me lembraram esse dócil escritor, profícuo nas letras, mestre da
criação literária, criador de tantos personagens:
“Sou um homem infeliz.
Não demorei muito a me convencer disso
na senilidade de um final de vida. Não vou escrever minhas memórias, pois sobre
elas ou por meio delas nada tenho a dizer. Falo sobre o meu presente, na
infelicidade de sentimentos talvez acumulados durante toda minha existência.
A vida é longa, ao contrário do que
muitos pensam ou sentem. Fico espantado quando descubro que jovens de
dezessete, dezenove anos são brutamente mortos, assassinados por pessoas
medíocres e sem futuro. A vida também é fúnebre”.
Ao ler esse trecho do inicio de sua
obra, descobri o fio da meada de nossas antigas conversas literárias, onde obra
e o criador se misturam, criador e o criado são um só,pela necessidade de
entender a si mesmo e aos outros. O que nos sobra é essa angústia, esse
sentimento embutido, ao verificarmos a transitoriedade de tudo e o glorioso ou
lastimável fim que nos aguarda.
Assis Brasil tem esse dom maravilhoso
de nos conscientizar através de sua arte. Motivado, novamente por sua obra,
este ano terminei meu primeiro livro “Das Coisas, da Vida e da Morte e de Chico
Asa Baixa e escrevi mais dois outros: Histórias da Crucificação e Viagens,
Sodoma pede Socorro. Assim terminou um ciclo começado em 1968, quando fui seu
aluno no Rio.
E mesmo sem ser crítico literário, ao
ler sua nova obra, descobri um novo Assis Brasil, talvez mais filósofo,
profeta, visionário e um pouco mais amargo, facilmente identificado – para quem
o conhece a fundo, - como tudo que criou ao longo desses 30 anos: o mesmo
menino que se banhava no rio barrento de sua Parnaíba, no seu Parnaíba
encantado. A mesma eterna Luiza, prostituta envelhecida, que tanto o marcou em
Beira-Rio, Beira Vida, ainda é viva em seus sonhos.
“Um dia ela o contou que seu homem foi
embora e o menino entendeu que ele – o homem dela- desaparecera silencioso como
o rio”. E ela ficara sem o seu protetor, guardião. E muitos anos se passaram: o
menino cresceu, mudou de cidade, ficou famoso. E finalmente voltou para ver o
seu velho rio, cheio de nostalgias e sofrimentos, em busca de Luiza,
envelhecida e triste, que sofrera por amor e ainda vagueia em suas lembranças.
Eis, pois, a síntese de uma imensa obra que começou com “Os Verdes Mares Bravios”, o seu primeiro livro, toda ela permeada pelo humano ser, cheio de filosofias e sem explicação para os mistérios que nos amedrontam e atormentam: talvez como disse Baudelaire, “a ferida e a faca, a vitima e o algoz.” E de nada adianta apelar para Edgard Allan Poe, em múltiplos diálogos e devaneios. O que vemos ao longo de “A Cura pela Vida” é essa necessidade de saber “o que virá depois”.
Um livro belíssimo, que nos mostra o
homem culto, além do criador. Aquele que sabe brincar com as palavras de uma
maneira criadora, usando o saber de tantos, para alertar nossas consciências.
Um reflexo da sociedade brutal em que vivemos, estruturada nos moldes do mal,
que habita em todos os corações e que convive com nossa hipocrisia e
mediocridade. Oculto em seus mágicos diálogos, há uma tentativa desesperada de
“escapar” do destino atroz que a todos aguarda - a espera de um novo corvo que
repita as suas mesmas sábias palavras: “Nunca mais!”