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JM JORNAL DO MUNICÍPIO:

SUPLEMENTO JM JORNAL DO MUNDO- JORNAL MULTIMÍDIA EM TEMPO REAL

Ano 6 - Edição 2451-

- Março

2016 -

Fortaleza-Ceará-Brasil

LITERATURA

QUAL O SEXO DOS POMBOS

GABRIEL PONTES


Certo dia sentou-se no banco da praça, acendeu a metade que sobrou de seu charuto e deu algumas baforadas. Meteu a mão em um saco de papel cheio de migalhas de pão para alimentar os pombos. Deu outra baforada, e sua fumaça atribuía gentis tons alaranjados quando era refletida pelos raios do sol que estava perto de se pôr.

À sua frente, em um pequeno lago onde patos e marrecos nadavam, ilhava uma choupana feita em madeira envernizada, situada bem no meio, cujo único caminho que os levava até lá era uma ponte de madeira enfeitada pelas trepadeiras que nasceram por ali. E lá um casal, sentados um de frente para o outro, acariciavam-se com ternura.

Mesmo que ainda lhe causasse certa estranheza, veja bem, considerando seus cinquenta e poucos anos e todos os conceitos de sua criação machista, não lhe incomodava ver dois rapazes em uma demonstração tão meiga de afeto. Continuou alimentando os pombos até que, de rabo de olho, notou a aproximação do guarda da praça, que vinha rodando o cassetete na mão, com passos firmes e metódicos como se fosse o marechal do exército de guardinhas do parque.

Sentou-se de pernas arreganhadas, enchendo a mão direita com as partes, acomodando-as.

— Está vendo que absurdo? – o guarda iniciou a conversa.

— Oi, boa tarde. Do que estás falando?

— Todos os dias esses dois ficam aqui se pervertendo! Ah se eu pudesse tirá-los daqui!

— Perversão?! — repetiu e olhou novamente para o casal

— Mas o que eu vejo são apenas duas pessoas trocando afeto. Que mal há nisso? — Sim, mas são dois homens. Isso é nojento! Desde quando afeto de homem é beijo na boca? Se fossem meus filhos daria uma surra pra voltar a ser homem. — falou o guarda de forma ríspida.

— Mas eles são homens ainda… Não são? — O senhor tá frescando com a minha cara? Homem não beija outro homem, meu senhor! Onde o senhor, na sua idade, dá época de meu pai, da época boa do passado, há de concordar com isso?

— Não concordo. — respondeu para a surpresa do guarda. — Mas como assim? Eu já tava pensando que tu era um velho bicha também, pra defender esses promíscuos. — nesse momento deu uma puxada bem forte no charuto, fechando um olho e com o outro o encarando. Tão forte foi a puxada que a brasa ficou estridente.

— Não quis ofender ao senhor! — iniciou o guarda ao notar seu descontentamento, e enquanto ele falava, voltou a jogar farelos aos pombos

— Brincadeira de homem! É que me tira do sério ver esse pessoal aqui na minha praça, no meu turno. Aproveitando da casinha pra trocar beijinho e à noite ir pro motel ali do lado como homem e mulher, que é o certo, mas tão fazendo errado. — fez uma pausa para cuspir e retomou

— E o senhor, por que diz que não concorda? Como funciona isso? Ou gosta ou não gosta, né não? — Meu caro, veja esses pombos — apontou para uns 10 pombos que se alimentavam — Me diga como posso identificar quais desses são machos e quais desses são fêmeas?

— Ora, claro, os mais parrudos é os machos e a menos parrudas é as fêmeas — respondeu o guarda sem entender o porquê da pergunta.

 — Certo, agora veja aqueles dois ali, separados do grupo, são iguais em tamanho, tonalidade, e comportamento. Dentre esses dois, qual é o macho e qual é a fêmea?

— Aí o senhor complica. Como é que eu vou saber? Pode ser os dois, tanto macho como fêmea. — Então, você usou uma forma heteronormativa pra definir o que é macho e o que é fêmea.

— E agora quer complicar? Tu não tá vendo que é macho o mais parrudo e é fêmea a menos parruda? — É exatamente isso que a heteronormatividade faz a gente pensar. É nisso que crescemos, fomentados por essa ideia de que carro é de menino, boneca é de menina; azul é de menino e rosa é de menina. De fato não faz diferença nenhuma para mim, e creio que também para o pombo, se o que está ao seu lado, naquele momento e naquela circunstância, com a mesma cor, o mesmo tamanho a mesma postura, aparenta ser macho ou fêmea. Sei que são dois homens, como o senhor falou — continuou enquanto o guarda o olhava desconfiado —, mas não vejo certo ou errado nisso.

Tudo só me leva a crer que dar essa importância toda em torno do gênero a ponto de desclassificar e julgar alguém como certo ou errado, superior ou inferior, é uma patologia humana.

— Mas o pastor disse que o sexo tem sua função, segundo a bíblia. É de gerar filhos e constituir uma família! — Então toda vida que tu transa com uma mulher tu tem um filho com ela? — Deus me livre! Prefiro socar punheta do que ter mais um, tenho seis já.

— É, você não me parece um homem religioso. Mas essa questão levantada pela igreja, da construção da família, a meu ver é bobagem. Há tantas famílias de héteros completamente desestruturadas… Educação, honestidade, clareza, responsabilidade é que faz uma família e não os personagens que a compõe.

— Tá, mas e o que tem a ver os pombos com aqueles dois ali?

— Bom, foi a forma mais rápida de te dizer que não podemos julgar uma pessoa como inferior ou como errada somente pela forma que ela se veste ou pelo seu comportamento. Pombos independentemente do sexo, da cor ou do tamanho continuam sendo pombos. Nós independentemente da cor, da opção sexual, tamanho ou idade, continuamos sendo humanos. E é isso que vale.

— Mas tu defende muito bem pra quem não concorda viu? — Não sou obrigado a concordar, nem achar normal, assim como não concordo e não acho. Digo isso baseado nos meus conceitos que julgo serem os certos, baseado nas experiências que adquiri ao longo dos anos. 

Eles provavelmente se baseiam nos seus conceitos e experiências para julgarem o que é certo e errado. Não sou eu que vou fazer isso por eles, vivo minha vida e pronto! – tentou encerrar o assunto e se afastou, mas o guarda o seguiu.

— Mas isso é ser homofóbico! Outro dia, disse na comissão dos guardas que não tinha nada contra, contanto que fosse bem longe de mim, como o senhor disse agora. E todo mundo me olhou torto.

 — Eu não disse isso, existe uma diferença sutil. Veja bem, hoje em dia está difícil se posicionar. Principalmente porque vivemos em uma sociedade que quer uma resposta definitiva e um posicionamento concreto para todos os conflitos existentes. Você não pode não concordar e respeitar. Ou você concorda ou discorda. E essas duas palavras tem significados limitadores.

— Rapaz, contanto que fiquem bem longe de mim! — desdenhou. — Eu acredito que discordar seja um direito seu, a meu ver você não será uma pessoa ruim por isso, o que te torna ruim é ser desrespeitoso. Dizer que não tem nada contra e os querer longe não é sinal de respeito, e sim de intolerância. Muitas pessoas usam desse argumento para se manter em cima do muro. Essa é a frase mais contraditória que já ouvi. Se eu disser que concordo, para ser aceito, estaria mentindo, mas não me importo com o que cada um quer fazer da sua vida, longe ou perto de mim, contanto que haja respeito em ambos os lados.

— Mas olha lá! — apontou para o casal interrompendo seu discurso — Vão se engolir, só pode! Vou lá acabar com isso! — mas foi impedido por ele que segurou o braço do guarda.

— Me diz uma coisa. Por que tu estás indo lá? — Ô pergunta besta da porra, tá vendo que tem um bando de criança pequena aqui não?

— E se fosse um casal de héteros, homem e mulher, como preferir, você deixaria? — perguntou enquanto o outro guardava o cassetete.

— Não vejo problema! — Então não está sendo correto! Deverias, ao invés de pensar em quem são os protagonistas, pensar na cena. Não é o que eles representam por serem gays, mas é pela falta de pudor que é crime pelo código penal independente do sexo. Um casal de héteros é tão desrespeitoso dando esses tipos de amassos, em praça pública, quanto um casal gay. Se quiseres ir lá em defesa do pudor, vá; se não, fique aqui e largue de ser besta, deixa o povo namorar em paz! – concluiu.

Para amenizar a situação, o casal, envergonhado ao ver a reação do guarda, se conteve.

— Taí uma coisa que eu nunca vou entender! Nunca vi um coroa tão esclarecido como tu. Teus filhos devem ser felizes, né não? — São sim, tenho dois do primeiro casamento e um mais novo do segundo. — E se ele virar gay? Tu vai vir com esse papo novamente?

— Se um dia meu filho assumir essa opção, será a escolha dele. Também acredito que ele não vai ‘virar’. Se ele tomar essa decisão é porque sempre foi, porém só agora se entendeu, se encontrou, e estaria bem consigo mesmo, feliz,  que é o que mais desejo aos meus filhos, a felicidade. Sua coragem superará qualquer frustração que possa ocorrer. Não estou dizendo que seria fácil para mim, mas como já lhe disse, não sou eu quem vai julgar.

— É velho, tu é esperto, mas não entra na minha cabeça esse negócio de homossexualismo. 

— Bom, não sou um militante GLBTT. O que quis com essa conversa prosaica – notou que havia se estendido –  em resumo, é dizer que ninguém tem nada a ver com a vida do outro, e que a vida é curta demais para perdermos tempo odiando o que é diferente.

A homoafetividade, se me permite lhe corrigir com o termo correto, não é sinal de promiscuidade, nem mesmo um segmento, uma nova espécie dentro da raça humana. Somos todos de carne, osso, e seremos enterrados na mesma terra.

— Nunca pensei por esse lado. — confessou.

— O importante é saber quem você é independente de tudo, e saber em que você contribui positivamente para o mundo. Nunca precisei de experiências homossexuais para saber que sou hétero. Assim como quero que respeitem meu direito de ser, devo respeitar o direito deles de ser o que bem entenderem! Ponto final. — concluiu de maneira ríspida para encerrar o assunto.

 — Tá, tô sabendo agora. – falou o guarda reflexivo. — Então, deixe-me ir – despediu-se enquanto apagava o pito do charuto e via o guarda, iluminado pelos últimos raios de sol, observando o casal abraçado, vendo o sol se pôr, e depois olhando para os pombos. Olhava o casal e olhava os pombos, coçava a cabeça como se refletisse sobre tudo aquilo que lhe foi dito. Não resistindo à curiosidade o senhor perguntou:

 — Seu guarda, já sabes qual é o pombo macho e o pombo fêmea? — Não faz diferença, velho. – respondeu após alguns segundos de silêncio absoluto – É tudo pombo, é isso que importa.


Revisão: Gabriela Rocha 

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Os Vagões da Linha 777

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Gabriel Pontes

Quando deu por si, estava em pé numa estação de trem, seu corpo estava dormente, mas ainda era possível senti-lo. Percebeu que estava ao lado de pessoas de todos os tipos com aquele estranho espectro esbranquiçado que emana a alma humana. Sabia disso porque pôde notar outras vezes quando teve contato com alguns parentes que haviam morrido.
Pelo que percebeu das longas filas que se formavam até onde a vista alcançava, ele não estava na matéria – mesmo que fosse estranho para ele estar como matéria no mundo dos espíritos. Isso nunca foi menos assustador mesmo depois de tanto tempo tentando trabalhar sua paranormalidade. De toda forma, estava estranhamente confortável, talvez conseguisse agir naturalmente por saber que a vida pós morte era real.
Descobriu sua vidência ainda cedo, quando via seu bisavô sentado na velha cadeira de balanço na sala. Nunca foi algo nítido, mas quando passava pela porta em direção a cozinha o via de relance, e quando voltava a focar os olhos via somente a cadeira se balançando.
Sua mãe, uma kardecista fanática, dizia ser “normal” e que, mais cedo ou mais tarde, o este mundo se revelaria. Sempre com um sorriso no rosto enfatizava que era preciso maturidade para entendê-lo. Quisera fosse fácil agir com naturalidade ao acordar de madrugada e ver sua tia, morta há alguns dias, aparecer sentada na beirada de sua cama, olhando-o. Foi um susto tão grande que saiu correndo pelos corredores ouvindo ela dizer “não se assuste meu querido”.
Depois disso passou a dormir na sala, mas não foi diferente. Sempre que alguém se aproximava de sua rede o fazia despertar, mas não tinha coragem de se desembrulhar do cobertor para ver quem estava de pé ao seu lado. Apenas preferiu (mesmo que sua mãe tenha dito para não ter medo deles) não arriscar desmaiar ou infartar de medo.
Certo dia acordou de madrugada e sentiu novamente a presença, desta vez distante de sua rede, e decidiu seguir as orientações de sua mãe ao perguntar o que ele queria. “Estou enlouquecendo” – disse, enquanto olhava pela brecha do lençol. No quarto onde sua mãe dormia não havia porta e, encostado no portal, viu um homem alto e largo, com a mão no paletó que observava sua mãe dormir.
Chegou a perguntar, com a voz trêmula, o que ele queria, mas a estranha figura branca se desfez diante de seus olhos. Alguns anos depois, descobriu nas coisas de sua mãe uma foto de seu pai, que havia falecido nos primeiros anos após seu nascimento, com o mesmo paletó e a mesma aparência. Sua mãe lhe explicou que por algum motivo ele ainda não tinha ido embora da terra.
“São apenas memórias” – pensou enquanto caminhava pela estação, tentando reconhecer o local. Era tudo tão real. Não sabia como tinha ido parar ali, mas pelo que sua sábia mãe lhe contava, as viagens astrais eram assim, e que logo “acordaria do transe”, provavelmente na mesma praça onde sentou no banco para fumar um cigarro.
Caminhou até a ultima parada quando o apito do trem rompeu o silêncio. Lá do fundo pôde vê-lo se aproximando, gigantesco e imponente. Despejando no ar uma grossa camada de fumaça vermelha que se estendia cobrindo os sete vagões de ferro fundido.
Todos se levantaram ainda sem esboçar nenhuma mudança no semblante. Quando o trem parou e as portas se abriram, rapidamente entraram, e estando no meio deles foi levado pela multidão. Tentou escapar, mas eram tão fortes e amontoados que carregaram-no para o ultimo vagão do trem.
O trem partiu, e tendo a ciência que seu corpo não pertencia à viagem daquelas almas, tinha que, o quanto antes, chegar à cabine do maquinista e pedir para que ele parasse o trem que ganhava velocidade. Apitava sete vezes, depois mais sete, e o ranger do trilho se suavizava sendo trocado pelo ruído característico do percorrer da roda nos trilhos.
Ao situar-se, notou como o ultimo vagão era festeiro, parecia ser o mais pesado também. Várias pessoas exorbitantemente gordas se empanturravam de doces e comidas. Comiam compulsivamente e olhavam-no como se fossem devorá-lo. Alguns vomitavam e – não compreendia tamanha ferocidade – voltavam a comer junto ao vômito. Passando cuidadosamente entre as banhas de homens e mulheres que comiam como porcos, enchendo as mãos de comida e engolindo sem mastigar, seguiu para o próximo vagão.
Neste, ao ser notado, um homem escondeu todos os relógios de pulso que tinha, e levantou a gola da camisa para disfarçar os vários colares de ouro e prata. Tinha o corpo curvado e seu pescoço sangrava devido o peso excessivo. Outro, pálido, contava um bolo de dinheiro dentro de uma das várias maletas abarrotadas de cédulas. Uma mulher, muito bonita e bem vestida, escondeu suas mãos com anéis de brilhantes que ocupavam todos os espaços dos dedos inchados e roxos. Foi caminhando entre eles espantado com a quantidade de riqueza que possuíam e mesmo sem entender tal mesquinhez, passou para o outro vagão.
No quinto vagão, uma mulher tentou tirar sua roupa enquanto um homem a penetrava por trás, seguido de outro homem a penetrá-lo. Outros homens e mulheres se masturbavam ao ver a cena. Velhos e jovens se promiscuíam diante dele que correu para não ser atacado. Uma mulher transava com quatro homens como no emaranhado de cobras em um frenético acasalamento. Passou rapidamente entre todos que se sodomizavam com os mais estranhos objetos. Agora, pela primeira vez, se viu chocado e preocupado no que poderia encontrar pela frente.
Por pior que fosse, ao entrar no próximo vagão, foi recebido com um forte soco na barriga e foram direcionadas várias palavras de profundo ódio. Enquanto tentava se recompor, as pessoas em volta brigavam e se cuspiam, mostravam os dentes, se esmurravam e quebravam tudo ao seu redor. Distribuiu alguns socos – o que possibilitou que ele conseguisse passar pelo meio da confusão – e ao sair, desviou de uma cadeira que foi arremessada em sua direção antes de atravessar para o próximo vagão.
Mesmo que não fosse vantajoso exibir um hematoma roxo, uma mulher se aproximou, no outro vagão que acabara de entrar, e lhe ofereceu gelo enquanto elogiava seu hematoma. Estranhamente não conseguia tirar os olhos dele. Em um surto, começou a chocar a cabeça contra a parede de ferro tentando conseguir o mesmo hematoma, entrando em esespero ao não conseguir. E todos então, se chocavam contra a parede para ter aquele hematoma roxo. “Porque você tem e eu não?” repetiam para ele, que saiu assustado sorrateiramente sabendo que o ultimo vagão estava próximo, e que logo ele esclareceria toda aquela confusão.
No penúltimo vagão pôde descansar. “Meu Deus o que acontecera? Onde aquela viagem iria acabar? Será que o maquinista – seja ele quem for – não se importava com a situação deplorável daquelas pessoas? Por que ele não acordava daquele pesadelo espiritual? O que acontecera com meu corpo abandonado na praça?” eram os pensamentos que rodeavam sua cabeça atordoada.
Neste vagão, as pessoas estavam deitadas num estado de sonolência e letargia absurda. O vagão tinha TVs, sons, bebidas, comidas, mas nada acontecia porque ninguém queria sair de seu canto confortável para pegar qualquer coisa à disposição. Todos apáticos e inertes. Tendo conseguido descansar um pouco e recuperar o fôlego perdido nos outros vagões, caminhou ao sétimo.
Ao entrar no ultimo vagão, antes da casa das máquinas, se protegeu como pôde, por não saber o que esperar. Existia uma estranha calma e as pessoas mantinham distância uma das outras. Todas elas carregavam um saco enorme com o nome “ego” escrito. Todos mantinham seus narizes empinados, não conversavam porque julgavam ser uns mais importantes que os outros, mas a essa altura do campeonato não queria mais saber de condolências, apenas queria abrir a porta do maquinista e pedir pra ele parar.
Entretanto, à medida que caminhava cauteloso, – para seu desespero – viu que não havia nenhuma porta. Apenas as marcas do ferro soldado à maçarico. Enquanto dirigia-se à cabine do maquinista, percebeu que naquele vagão havia um canto que não tinha sido preenchido. A cadeira estava ocupada apenas por um dos sacos pretos com os dizeres “ego”, ao lado de um homem alto e de terno. Ao se aproximar reconheceu que aquele era o mesmo homem que estava a olhar para sua mãe naquela madrugada assustadora de sua infância, o mesmo homem que encontrou nas fotos guardadas por tantos anos em um baú de lembranças.
Um frio lhe correu a espinha ao ver que o homem olhou nos seus olhos e esticou o braço para lhe dar um bilhete de passagem do trem, com seu nome escrito, data, hora e o número da sétima cadeira. Ao pegar o bilhete notou pela primeira vez que seu braço, assim como seu corpo, também emanava o mesmo espectro esbranquiçado do qual sabia, e agora entendia porque estava assim.
 Revisão: Gabriela Rocha 
Imagem: wallfizz.com
Gabriel Pontes




Foi o quando ele me falou.
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Publicado em 25 de agosto de 2014por Pontes



Devido à rotina, virou costume chegar tarde em casa. Dirigiu-se à estante de mármore e pegou um uísque 12 anos – seu ano favorito. Desconsiderava o fato de ter sido diagnosticado socialmente como hipocondríaco. “Não é verdade” – pensou enquanto tomava seu décimo comprimido de Benflogim, e se servia com uma dose embalado ao som de Mozart. Considerava aquilo apenas uma recreação, sua válvula de escape depois de um dia cansativo, de uma semana que passou tão lenta quanto a vontade de não permanecer nela.
Sabia que o Cloridrato de Benzinamida, agente ativo do Benflogim, associado a uma ou duas doses de uísque aumentava a produção da dopamina no cérebro, gerando percepções visuais alteradas e distorcidas, efeitos semelhantes ao do LSD. E mesmo que as náuseas parecessem romper seu estômago no dia seguinte, não era o efeito colateral um empecilho, pois isso colocava as suas ideias no lugar. O álcool por si só já o leva ao campo das ideias, mas faz isso ao mesmo tempo que o deprecia. Era preciso mais para fugir da realidade dos últimos meses.
Sentou à frente de seu aquário e ficou observando-os por algumas horas. Os viu bailar lenta e graciosamente. Percebeu que os dois, ele e os peixes, tinham muito em comum. Tentou evitar a comparação existencialista, mas não teve jeito. Foi transportado para dentro do aquário junto aos peixes e sentiu tudo que lá se passava.

No fundo, os peixes que criava eram iguais a ele. Criaturas que trabalhavam em busca do propósito de sua existência, despertando todos os dias à procura de algo que os alimente, que os mantenha vivos, até que a exaustão lhes toma e eles descansam sem dormir.

Realmente era assim, acordando cedo todos os dias, enfrentando o mundo de desigualdades, sendo sugado de todas as formas, até que, no final do dia, ao chegar em casa, após seu remédio para dormir e a dose de uísque, desfruta de um sono sintético tão rápido que a sensação era de que apenas piscou os olhos. E ao chegar novamente ao trabalho no dia seguinte, se familiariza com o banheiro do local mais do que com o banheiro de casa a ponto de se incomodar com a sujeira. Como se fosse o seu banheiro emprestado para outros que não sabiam usar.
Uma rotina tão cansativa que nem mesmo conseguia desfrutar do que comprava com o seu salário. A TV nunca foi usada por mais de alguns minutos enquanto tomava café e via as primeiras notícias do dia. As flores da sacada murcharam e permanecem lá, murchas, sem ganhar um desfecho melhor.
Viu também de forma nítida que o aquário não é formado somente por peixes, mas de micro-organismos que transformam a amônia proveniente da urina e fezes, ou da própria matéria em decomposição, em nitrito e, por sua vez, as que o transformam em nitrato, alimentando e transformando-se em uma das peças que compõe a biodiversidade controlada. Minúsculas criaturas do mesmo criador que tinham seu papel fundamental para os peixes que ali vivem.

No seu caso, não era tão importante à presença desses seres – pessoas com essas funções sociais. Entretanto estava rodeado delas. Preguiçosos e sem propósitos, apenas procuram aproveitar-se dos restos de sua significância e na primeira oportunidade contaminam, adoecem e o levam à beira do fim.
“Provavelmente a vida de um peixe deve ser feliz já que até as bactérias o ajudam” – constatou.
Concentrado em como o peixe se mexia e se distorcia diante de seus olhos, assustou-se com um que desavisadamente se chocou contra a parede de vidro do aquário. E mesmo sabendo que não era possível transpor aquela barreira, continuou tentando e se chocando várias vezes até que ele decidiu por a mão no vidro para assustar o peixinho.
Talvez ele não conseguisse entender como é possível ver um ambiente tão grande e ao mesmo tempo estarem limitados aos seus 60 litros de água. Apenas 60 centímetros em um quarto de 4x6m. Não sabia que barreira era aquela que o impedia de continuar e desbravar aqueles horizontes e talvez por isso sua insistência, sua loucura. Alguns peixes que um dia pularam a barreira de vidro do aquário morreram,  porque não havia aquilo que os ajudassem a  sobreviver. Não é o que eles imaginaram.

Se ele fosse consciente como o ser que estava a frente dele, com os pés para cima segurando um copo com uísque e gelo, diria que sua frustração era tanta quanto a dele, de olhar os horizontes e desejar, tentar alcançar, e mesmo encontrando meios dignos de conseguir, era a passos lentos. O reflexo da mesma lentidão à que alcançava seus objetivos
.
Quando alcançava, não tinha tempo de usufruir.
Lembrou que também se atirou algumas vezes além das barreiras que o impedia, sem sucesso. O destino foi o mesmo, e por pouco escapou do fim que levaram os bravos peixinhos que recolhia do chão de seu quarto. Fazia seus velórios no banheiro e os “enterros no vaso sanitário”.

Era a vida de um homem descartável. Assim como os “peixes descartáveis” muitas vezes comprados e colocados em aquários minúsculos, dado a crianças como bichinho de estimação e, depois de mortos, enterrados numa cova rasa – ou no vaso como os dele -, e substituídos por outro que logo terá o mesmo destino.
Percebeu que dava a seus peixes algo que ele sabia que jamais teria. Isso se for verdade daqueles que dizem que, para os peixes, quem troca a água do aquário é Deus. Sabia que dava a eles a oportunidade de ver Deus como ele era – embora não quisesse que seu Deus fosse um bêbado e hipocondríaco – e se sentiu plenamente eufórico e importante.
Levantou-se e zombou com um andado pomposo e psicótico – como imaginava que Deus andaria sabendo que era Deus – aproximando-se do aquário, passando a mão no vidro e com o rosto próximo a água falou “Eu estou a observar-lhes, pude ouvir suas preces e eu os entendo”. Foi quando um peixe que passava ouviu e respondeu “Não adianta se comparar comigo. Eu estou a te observar e você não é um peixe!” Neste instante deu um pulo para trás atordoado, mal acreditando no que acabara de acontecer. O peixe ficou olhando-o por alguns instantes e depois voltou a seu comportamento natural aparente.
Devia ter exagerado na dose do Benflogim ou então chegou ao ápice de algum efeito não esperado e ficou estagnado, confuso e apavorado. O que o surpreendia não era somente o fato de o peixe falar com ele, mas também de estar completamente certo. Sim, ele estava completamente certo.
Não podia simplesmente se amargurar  e maldizer a vida. Se entregar como se não encontrasse mais formas de lutar, pois até mesmo os peixes de seu aquário vez por outra saltavam para a morte certa, numa ânsia única e incontrolável de conhecer o que está além da fronteira do possível. Isso porque eram apenas peixes que nasceram em cativeiro e provavelmente nunca fizeram uma reflexão sobre o que era esse instinto tão forte de liberdade.
E mesmo que pudesse considerar que estava chapado a ponto de fantasiar histórias em sua cabeça, ele sabia o que precisava ser feito, sabia que já fazia tempo que não tinha vida e que foi preciso um peixe dizer a ele para que tudo fosse diferente.
Nos dias seguintes comprou um aquário de 200 litros e o decorou da forma mais natural possível, colocou todos os peixes lá dentro e os observou por alguns instantes. Ligou para o trabalho e pediu demissão, aliviado. Ligou para os amigos que  tanto tempo não via e convidou-os para um almoço. Assistiu à TV que comprou e que nunca havia ligado no seu canal favorito. Mudou os panos da mesa e tão somente tudo passou a fazer sentido.


Embora seus amigos não acreditassem na história que foi explicada após o almoço, perceberam junto a ele que essa é mais pura verdade. Não é fácil se desvencilhar de tudo aquilo que nos vicia, mas é preciso criar coragem para mudar. É preciso sacudir a poeira principalmente quando a vida se torna tediosa e cansativa. Isso só fez dele mais um rebelde que busca a felicidade, limitando-se e colocando barreiras a si próprio, sem nunca perceber que tudo só depende única e exclusivamente de si mesmo.
Com o passar o tempo algumas coisas se normalizaram, mas percebeu, agora no final do dia, sentado novamente a frente do aquário, sem os Benflogins e sem os analgésicos, que por alguma piada irônica da vida, poderia considerar que Deus tem formas estranhas de nos colocar numa situação em que chegamos a conclusão que é preciso mudar. Suspeito que ele pode usar os seres mais inacreditáveis para te passar as mensagens mais importantes.
O peixe que o salvou nada feliz de um lado para o outro naquele ambiente que mais se aproximou do que sua memória primitiva e selvagem lhe mostrou. Ainda que um aquário maior jamais consiga lhe dar algo melhor do que a liberdade, ele sabia que libertá-lo seria condená-lo a morte. Era notável que o peixe ficou com a estranha sensação de que Deus permitiu que sua vida melhorasse consideravelmente mesmo que não entenda o porquê.
Apenas via Deus do lado de fora, além da barreira de vidro, sentado com as pernas para cima à observar-lhe com uma dose de uísque e gelo na mão e um disfarçado sorriso, infantil e emocionado.
Gabriel Pontes
Revisão: Gabriela Rocha
Foto: gartic.uol.com.br/imaginaria





UM CONTO PSICODÉLICO DE GABRIEL PONTES



Estrela no Céu da Boca
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A beira da praia dezenas de pessoas dançavam de óculos escuros mesmo sendo noite. Agitavam seus corpos no ritmo da música eletrônica.

As luzes piscantes destacavam o céu estrelado daquela noite, ele as olhava em sua magnitude e pensava nelas sem mesmo saber se elas ainda existiam. Pensava em quais delas já haviam morrido e estavam ali só como imagem, como luz. Quando elas iriam realmente deixar de brilhar? Sentia-se assim também. Como uma estrela que havia morrido por dentro, mas os outros o viam apenas pela luz. Pela brevidade que poderia durar vários anos, quem sabe? Sobre essa angústia permitiu que uma estrela doce brilhasse no céu de sua boca.

Este quadrado mágico conhecido por ser uma das substancias alucinógenas mais poderosas conhecidas trouxe consigo uma momentânea sensação de paz.  Todo aquele alvoroço de gente pulando e dançando não o afetavam diretamente e as pupilas que dilatavam abriam seus olhos a um universo que jamais havia se deparado antes.

Era quase impossível não se render a dança. As batidas que saiam da enorme caixa de som, mesmo sem letra, diziam como deveria dançar. Existia naquele momento sem sombra de dúvida uma oscilação do indivíduo com este universo paralelo que lhe o foi apresentado.

Foi como acessar a parcela da mente que contém a assinatura de Deus. Pela primeira vez se sentiu parte da terra e do universo, como um ser formado de poeira cósmica das estrelas mortas. Mas ele era uma estrela que voltara a viver, a pulsar, a dançar…

Podia compreender, mesmo naquele caos, que nunca ouviu, viu, cheirou algo tão esplendoroso quanto à vida. Sentiu as minúsculas partículas de água salgada que saia do mar e eram levadas pelo vento até encontrar na sua pele.

O som das ondas misturado com o som das batidas que piscavam no ritmo dos canhões de luz. A areia movediça que se afastava dos pés dando a sensação de leveza e desequilíbrio.

A boca e a garganta seca cuja nenhuma água saciava. Dessa vez sentiu o gosto da água. O gosto de todas as camadas de hidrogênio e oxigênio. Respirou pela água, tanto que sentiu falta de ar.

Por mais que fizesse força não conseguiu encher seus pulmões. Aquela sensação de agonia o tomou. Era como se todo o peso do universo caísse sobre seus ombros.

Com as passada pesadas foi se chocando atordoado entre os corpos suados e aglomerados. Tentando fugir daquela multidão e do calor que o sufocava ainda mais. Um zumbido no ouvido o acompanhava e parecia um rádio fora de sintonia.

Talvez fosse isso. Talvez estivesse perdendo a sintonia com o universo. Encostou-se cabisbaixo na grande tela que o separava do mar, as águas foram ficando mais claras, o céu foi ficando mais claro. Quando pensou que iria desmaiar viu o primeiro raio de sol rasgar o céu da madrugada e com ele deu um forte grito que o trouxe de volta das garras do inferno.

Aliviou-se com o ar preenchendo-lhe os pulmões, como uma criança que acabara de sair do útero da mãe. Viu a sombra dar lugar a luz e sentiu o calor do sol tocar-lhe a pele. Nesse momento sentiu Deus tocar-lhe com seu brilho que logo o fez baixar a cabeça diante do seu esplendor.

E mesmo sobre a advertência da pré-morte, tornou o amargo forte, de outra estrela doce a derreter no céu de sua boca.

 Gabriel Pontes




CRÔNICAS

DO COTIDIANO
ALEGRE OU TRISTE



LEMBRANÇAS DE JOÃO LUIZ



Hoje acordei e fiquei na cama pensando no sonho  que tive com meu mano João Luís. Estávamos num lugar alto, não sei se um monte, ou algum  lugar  que não dava pra identificar.. Só sei que era do alto e vimos nossos momentos juntos, e riamos muito dos bons momentos e ate dos maus,  que lembrávamos. Era uma alegria e olha que foram muitos bons  momentos.
                             
Essa é uma ligação muito forte entre nós, a ponto de não sentir  que ele morreu. Todos os dias me lembro dele no meu café, manias que ele tinha como café bem doce, um aipim com manteiga ou açúcar.

No almoço nos brincávamos de comer e ele picava sua pimenta no prato, isso era sua marca: sem uma pimentinha não tinha graça e no decorrer do dia sempre tinha uma piada uma brincadeira uma “encarnação”, algumas ate sem graça, mais era dele... Sem isso só se ele tivesse doente.  . 

Hoje meu mano esta  comigo em todos os meus momentos em tudo que faço de manha ate a noite, juntos. Não falo muito nele, pois as pessoas ao meu redor  não entendem, e nem vão aceitar essa presença tão forte, que  tantas  vezes chamo meu filho Diego, de João.

Quando este ano fui passar o natal e o ano novo, na casa de minha cunhada Cristina, foi uma alegria muito  grande. Fiquei muito próximo. Meu natal foi lindo: em família eu estava ali, como antes. Eu minha esposa, meu filho, na casa do meu irmão, João, com sua esposa e suas filhas e em um momento me perdi falando dele lembrando, pois o que sentia era muito forte.

Não gosto de vê-lo como morto e sim como meu irmão e este  pode estar morto paro mundo todo, mais pra mim vai estar sempre vivo em minhas lembranças. E só parei  de falar quando olhei em volta e vi que  estavam todos com lagrimas nos olhos , chorando, emocionados.

Minha intenção não era fazer minguem chorar de tristeza. Mas, se tiver que chorar como eu estou, agora,  que chorem de alegria, de amor. Que me perdoem todos, mas não vou esquecer meu irmão João Luiz, nunca! Que  cada um enterre seus mortos, mas meu irmão ainda vive, está bem vivo dentro de mim.



 NIL MARQUES
(capnil@yahoo.com)





NOVO CRONISTA

JM APRESENTA

DANIEL GUIMARÃES




PRÍNCIPES E PRINCESAS

Vejo uma sociedade atual de valores invertidos, aspectos corrompidos. As mulheres questionam muito o machismo, mas parece que (muitas delas) querem cada vez mais se parecer com um homem machão. Querendo forçar autoridade no grito, agindo como se fosse um garanhão, atacando, se dizendo pegadoras. Veja só, a mulher hoje diz: tô pegando. Tudo bem se acham que a mulher não precisa se dar o respeito para ser respeitada, apenas precisa lembrar que ela é quem é perseguida e não o homem e que na base da marra, não se conquista nada.

A mulher verdadeira é feminina, delicada, sonhadora, apaixonada, apaixonante, guerreira, com muita fibra e potencial próprio sem depender de ninguém. O homem verdadeiro nunca deixará de ser aquele rapaz cortês e cavaleiro, um lutador cheio de vigor, controlador de sua força bruta. Muitas mulheres, ainda quando meninas idealizam um príncipe, mas optam pelo cafajeste de quem muitas das vezes acabam engravidando antes da hora. Tornam-se mães solteiras e criam seus filhos de forma machista. Talvez pela revolta de terem estragado suas vidas tão cedo. (Sei que em tudo há exceções), mas isso não me impede de expor o que penso.

É sempre assim: (a maioria dos homens) sacaneiam sem motivo e por revolta (algumas mulheres) revelam seu lado escondido até então desconhecido. Na vida o ser humano segue da forma que mais lhe convém. A meu ver não existe diferença entre homem e mulher quando o que gostam é da sacanagem. Não adianta também criar um preconceito para eliminar o outro, criar movimentos feministas para combater os machistas, ou vice versa.

Aprendi desde novo ser um rapaz educado e isso não me tornou menos homem que ninguém, sei do que uma mulher gosta, sou capaz de entrar numa loja de roupas feminina e acertar no que devo comprar, numa joalheria, ou numa perfumaria. E isso é sim uma grande coisa, levando em conta o sempre presente machismo a provocar! Lavo, passo, cozinho, sei me virar sozinho e concordo que hoje em dia o casal tem que se ajudar nas tarefas caseiras, não vejo mal nisso.

Nenhum homem no mundo deixa de pagar por seu lado machista. Quantas vezes sou chamado de grosso, estúpido, insensível. As mágoas existem e a maioria delas partem de bobas discussões. A vida não é um conto de fadas, todo encantamento um dia acaba. Príncipes e princesas podemos todos ser, somente considerando que temos um Rei como Pai, o nosso Senhor!

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Toda mulher que deseja ser tratada como princesa, aja como uma.
Todo homem que deseja ser tratado como príncipe, aja como um.
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DIREITO DE RESPOSTA CONCEDIDO PELA LEI QUE MEU CORAÇÃO ESTABELECEU. Respondendo e esclarecendo: sabia que esta crônica daria margem à discussões. Em momento nenhum quis ser machista, apenas reconheço o tempo todo que machismo existe em nossa sociedade, está enraizado e será difícil combatê-lo. Já que as mulheres abominam tanto esse mal, por que (algumas delas) agem da mesma forma, se assemelham a homens insensíveis e criam seus filhos com o machismo implantado dentro de casa? Sempre o menino pode tudo e a menina nada.

Deveria ser diferente, a escravidão começa na má criação, muitas vezes precisamos nos tornar adulto para começar a entender melhor a vida pra maioria a maturidade chega tarde demais. Não me oponho a uma mulher solteira ou não fazer de sua vida o que bem entender, mas ela não nasceu para caçar e nem ser presa fácil de ninguém. Não se trata de: o homem pode e a mulher não, mas a tarefa da mulher é bem mais difícil diante desse machismo centenário estabelecido por homens que se pudessem, não deixariam nem a mulher abrir sua boca pra falar como um dia já foi.

A mulher já conquistou muito, mas o domínio do machismo ainda é esmagador. Não adianta um movimento feminista tentar virar o jogo, na verdade isso não deveria ser tratado como um!

Não conseguimos a igualdade nunca. Quando elevamos uma classe, consequentemente diminuímos a outra. Infelizmente é assim!

Texto tirado da minha página do site recantodasletras/autoresdanielguimarães. Editado em 04/05/13




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Publicado em 12 de setembro de 2013por Pontes


Tomado pela cólera levantou-se da mesa meio alcoolizado. Estava distante de casa, mas mesmo assim decidiu que iria a pé. Naquele humor ninguém teria coragem de se atrever com ele.

A Avenida da Abolição estaria vazia se não fosse pelas moças das esquinas que com seus seios do lado de fora tentavam seduzir e conseguir alguns clientes. Junto com elas os travestis a procura de algum desavisado (ou não).

Eram lindas jovens que poderiam ter tido um futuro, digo, presente diferente daquele. Poderia ser sua mãe ou sua irmã, moças direitas quem sabe. Talvez assumiram essa vida devido à facilidade de ganhar em duas horas o que muitos, inclusive ele, ganham trabalhando oito horas por dia, 248 horas por mês.

Embora não fosse problema dele tudo isso passou por sua cabeça enquanto tentava fugir do assédio e dos convites para uma transa.
Ainda que fosse fascinado pela tentação do gozo com as lindas moças de corpos seminus, continuou sua caminhada se esgueirando entre os altos travestis que o elogiavam com uma voz grossa rançosa.

A cena perpetuou-se por toda a extensão da beira mar. Não mudava quase nada: De um lado, as prostitutas tentando ganhar seus clientes, do outro, os travestis entrando em carros luxuosos.

Nos becos e nas ruas paralelas percebeu algumas sombras que se mexiam de um lado para o outro. Fitando os olhos acinzentados na beira da calçada alguns jovens magricelos procuravam algo que pudesse facilitar à ‘queimar da pedra’. Nas ruas o tão conhecido diamante da lama.

Quem dera essa orla pudesse ser vista na madrugada assim como ele estava vendo. Enquanto os representantes políticos do povo dormiam em suas camas macias e com ar condicionado, ali, jovens se drogavam e dormiam amontoados, secos da fome e do Crack. 

Dormem junto com o lixo. Como os restos esquecidos da sociedade capitalista.
Embora as cenas fortes o tivessem feito apressar os passos, olhou as estrelas e tentou ver algo de bom na madrugada. Pensou que várias pessoas jamais teriam esse privilégio de estar ziguezagueando em umas das ruas mais movimentadas de Fortaleza.

Apesar do perigo, de toda a cidade esta dormindo (como sempre ouviu dizer), ele estava meio bestificado em poder tocar com as mãos o asfalto frio. Na Avenida Desembargador Moreira subiu com destino a Avenida Santos Dumont. Olhou para os grandes prédios e imaginou como seria se alguém soubesse que ele estava ali.  Se cruzassem com ele na rua teriam medo? Ou parariam para perguntar se ele estava bem? 

Imaginou se alguém teria consciência de tudo que estava acontecendo naquele horário bem próximo a suas casas. Pensou como seria se aquelas prostitutas tivessem realmente a oportunidade que se diz ser dada a todos. E aqueles jovens? Qual seria o nome deles? Será que eles foram colocados nos braços da mãe como fruto de uma gravidez desejada, consciente e assistida? Já sabia que não era verdade. Não se dá oportunidade a todos. Não foi dada oportunidade para aqueles jovens, pois a miséria não é uma oportunidade. Já ser garota de programa, quem sabe…

Voltou a pensar naqueles que dormiam na segurança do lar, acreditando serem donos de alguma coisa, até mesmo de seu descanso. Andava meio atordoado quando percebeu que um garçom o olhava desconfiado no único restaurante que estava aberto aquele horário. Claro que não se pensaria, às 4 da manhã, que um jovem estaria bem intencionado. Principalmente se ele fosse marcado pelo estereótipo das tribos terroristas de cabeça raspada.

Chegando a Praça Portugal deparou-se com vários jovens que se embriagavam com o vinho. A essa altura do campeonato o álcool já tinha sido quase todo consumido. Na beira da praça um jovem pálido vomitava o vermelhão. Logo atrás, sentados abaixo da copa de uma árvore havia um casal cuja menina, deitada com a cabeça no colo do rapaz, aproveitava da oportunidade e da escuridão para discretamente chupar-lhe a genitália.

Quando notaram sua passagem, ajeitaram-se rapidamente olhando-o amedrontado e, para surpresa do andarilho, tratava-se de dois rapazes. Por um momento nada pensou enquanto os encarava pelo choque. Depois foi tomado novamente pela cólera, se sentiu ofendido, mas logo pensou: e se fosse uma mulher? Seria normal? Da mesma forma se sentiu ofendido. Com uma ultima encarada ignorou-os e continuou sua caminha constatando que realmente a madrugada é muito estranha.

Onde estariam os pais daquele garoto que vomitava em jatos o sangue de Cristo? Onde estaria aquele casal se a postura social e o esclarecimento sexual fossem diferentes? Ali? Talvez sim. Talvez a madrugada tenha desse mundo hipnotizante do proibido, do prazer, da luxúria e libertinagem. Lembrou de sua época nas praças, nas ruas. Quando por descuido vomitou a bílis e dormiu na calçada. Das vezes em que aproveitava as esquinas escuras, praças e praias para rapidinhas com garotas aventureiras embriagadas.

As pernas cansadas continuavam a caminhada. Sabia que se parasse não iria agüentar. A Avenida Santos Dumont permanecia vazia. Mais uma vez no meio da rua se sentiu sortudo por passar por um canto que passava todos os dias de ônibus e que seria loucura fazer aquilo a qualquer hora da manhã. Só ele estava ali. Nem mesmo os guardas que dormiam na promessa de vigiar os prédios.

Era um silêncio, um vazio, tanto que começou a achar beleza nesse vazio. Pensou que na verdade o tudo só é tudo por causa do vazio. E o vazio não é a ausência, mas sim o princípio de tudo.Ele não estava perambulando no final do dia, mas sim no seu começo. Toda aquela avenida vazia daria lugar à tão movimentada e caótica Santos Dumont. Nessa breve loucura acreditou ser o tudo daquele espaço que conquistava, passo após passo.

Sentiu a vibração no asfalto e o trem que passava na via expressa cortava o silêncio da madrugada. Aquilo de certa forma o fascinava, seu intimo o advertia, mas era quase inevitável não querer chegar o mais perto possível daquele monstro de dezesseis vagões.
Gritou o mais alto que pode e deixou que partisse com ele sua raiva que já tinha sido amenizada com a caminhada. E assim já perto de seu destino, tendo tocado com as mãos locais que jamais pensou tocar todas as vezes que por ali passou em algum transporte alternativo, viu o sol surgir por de trás dos prédios e os pássaros que anunciavam a chegada da manhã.

Depois daquele dia ficou claro que a cidade não dorme como havia dito antes. Ela apenas muda de cenário e de protagonistas, como em uma peça de teatro. O oculto ganha vida, vem à tona, ganha espaço. Pela manhã se põe o véu da indiferença, do nosso profundo egoísmo e da nossa cegueira moral. Já na madrugada eles ganham o espaço da sua existência que da manhã lhes foi roubada.
Gabriel Pontes



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RPG




A vista dos bairros próximos pareciam muito mais interessantes quando quis ignorar o que acontecia, mas mesmo com o olhar distante, sentado na cobertura do prédio, notei que alguns jovens narravam uma história fictícia com tanta veemência que chamou minha atenção. Decidi levantar da cadeira onde estava e aproximar-me em silêncio para não tirar a espontaneidade que esperava "envergonhar naturalmente" na presença de um estranho.

Separados por uma mesa redonda haviam seis jovens ao comando de um fortinho que narrava a historia. Evitando que fugissem demais do tema ele mediava o assunto sem podar demais a criatividade do jogador. Através dos seus óculos de grau com armação militar, se baseava num cronograma ou inspiração na tela do computador para conduzir a história. Tentei por curiosidade ver o que ele anotava ali, mas abaixou a tela e foi sinal suficiente para um bom entendedor. Ao seu lado, a direita e a esquerda, dois jovens, um magrelo e outro gordinho, concentravam-se na história enquanto seus personagens na inércia de suas últimas ordens duelavam, um contra o inimigo e outro tentando sobreviver a morte certa.

Porém, o que mais chamava atenção eram as duas moças. Enquanto uma fitava os olhos no narrador com tamanha crença e empolgação que causava até estranheza, a outra já descabelada, vermelha, interpretava seu personagem baseando-se em várias folhas que repousavam no colo com desenhos, números, e sabe-se lá mais o que.

O primeiro momento foi dedicado a segurar as risadas, foi mais forte que eu, pois qualquer ser humano quando não entende algo, quase que automaticamente debocha, já que é a forma mais rápida de se sentir superior aquilo. Mas me contive. Contive com o devido respeito não a mim, nem a eles, mas aos personagens que batalhavam pela vitória.

É uma viagem. Depois de alguns minutos prestando atenção na história os sentimentos de deboche dão lugar a ansiedade e emoção. Sentimentos pelo qual não fui preparado para ser tomado. Como?

Além daquele local, da salinha na cobertura, estava diante de algo grandioso. Um campo de batalha entre uma menina frágil chamada Uchiha Arashi de Konora ( o pequeno vilarejo de onde nasceu) contra um demônio chamado Alucard, um anti-herói macabro e violento. Foi muita coragem dela enfrenta-lo, pensei, e logo ri baixinho quando percebi meu entrosamento com a história. Quase no mesmo instante todo aquele mundo que se abriu bem na minha frente sumiu. Decidi, deixando escapar um deboche, que não me envolveria tanto. O que foi quase impossível.

Cada ação, além de se ter uma interpretação do jogador como se fosse o personagem, requer a sorte nos dados. Os dez lados jogados sobre a mesa selavam o sucesso ou o fracasso da jogada. E ao fracasso, de Uchiha Arashi ou da menina das folhas e do óculos de grau denso, vi no rosto o desespero e a coragem. A cada fracasso a angustia era tanta que chegou a dar dó, e toda aquela esfera de cumplicidade, a música que tocava ao fundo, tudo, levou-me de volta a história como se eu estivesse ali presenciando o que estava acontecendo entre Uchiha e Alucard.

O narrador friamente descrevia como estava Uchiha, com o braço do Alucard atravessado pelo seu corpo em um gesto completamente brutal e, enquanto isso, as lentes já embaçadas escondiam os olhinhos puxados, vermelhos e ainda menores do choro.

O rosto vermelho e as lágrimas que escorriam trouxeram toda sua emoção, e a criatividade movida por ela deu lugar a reviravolta surpreendente do fim. Mesmo que o narrador não pudesse se abalar com aquilo era inevitável, como ser humano, não se comover ao presenciar um ato de apego a alguém que não existe realmente, a não ser nos desenhos sobre as pernas agora pingados de lágrimas. E a todo mento foi como estar vendo acontecer, a cada palavra, cada ação eu pude ver e torcer pelo sucesso que pareceu inexistente.

Mesmo que o fim tenha sido o esperado de qualquer história no duelo entre o bem e o mau, onde o bem sempre vence, não pude deixar de sair, mesmo que relutante, surpreso com esse jogo que mexe tanto com os sentimentos. Foram quatro horas de observação e eu não os senti passar.

Sobre o fim e a vitória de todos que estavam ali o narrador encerra o jogo. Todo aquele universo que se projetou ali, da luta, angustia, agonia, emoção, raiva, amizade, foi embora, não para sempre, mas para dentro de cada um, inclusive de mim que não quis fazer parte de tudo isso, e fiz.

Dentre todas as batalhas que já vi na vida real esta será uma que provavelmente não irei esquecer.
Dedicado a Uchiha Arashi, uma das guerreiras mais fortes que já conheci.


GABRIEL: A CAPACIDADE DE ESCREVER HISTÓRIAS INCOMUNS

Cada vez que leio um texto (contos) do Gabriel me surpreendo por sua capacidade de criar e imaginar histórias incomuns.
Que eu seja um "Expert" em jornalismo, literatura, contos e textos, nada surpreende, pois passei a maior parte de minha infância e adolescência ouvindo histórias de tios-avôs e depois no inicio da maturidade, me dediquei de corpo e alma ao jornalismo profissional passando  por todos os segmentos: do foca, repórter de rua, redator, editor, editorialista, editor-responsável e dono de um jornal municipalista de grande sucesso no Rio de  Janeiro em 1981/85...
Escrevi  três livros de contos , um já publicado, e "montanhas de reportagens do cotidiano triste das grandes cidades, uma pilha tão grande de textos que não pude trazê-los ,  quando voltei a Fortaleza em 1985: tive que incinerá-los numa grande fogueira, igual ou maior do que as de São João nos tempos idos...


Mas o Gabriel, que só tem 20 anos e só  ouviu as minhas "tagarelices" sobre minhas vivencias  e experiências, e que nem  sequer leu ainda meu livro "Das Coisas ,da Vida  e da Morte, e de Chico Asa Baixa", - escrevendo como escreve - é algo de admirar!

Será que o genes também transmitem a lucidez, a criatividade, o excelente texto, cheio de perplexidade, capaz de nos fazer sonhar e reviver memórias apagadas no inconsciente?
Leiam essa crônica reportagem e digam-me se não estou com a razão? Realmente: "Filho de peixe, peixinho é"!

ÓRION LIMA


Exu
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Sim, ela demorou, mas chegou. Aquela velha crise que o põe contra a parede e tira-lhe o sono com um agouro atormentador. É este o momento em que a fé se afasta mais dele e tudo que toma conta é um desejo destrutivo, um desejo de misantropia e ironicamente auto piedade.

É aquele momento que por mais amarga que seja a bebida ele não consegue sentir o amargoso, tudo vem com um gosto agridoce, o gosto da dúvida que invade e deixa em seus rastros somente a destruição.
O presente e o passado conflitam-se em seu coração. As pessoas parecem não ajudar. Seu amor parece não ajudar.

Hoje é a 5ª noite que não dorme, nem sonha. Simplesmente repousa sobre a cama e passa a olhar o teto em seu quarto frio, como quem olha a deus e pede às respostas que tanto procura. Levanta-se. Vê que está só, naquele quarto, naquele cômodo e ri. Ri de sua solidão.

Perambula entre os cômodos a procura do sono que não chega, caminha até o jardim e apoia-se sobre uma velha Pitangueira na esperança que ela possa lhe dar um pouco de energia sugada pelos pensamentos obscuros de sua mente doente. Em vão.

Volta a se deitar e olhar para o teto, baixa o olhar, nota a imagem de São Miguel dourada sobre a cômoda e a face deste arcanjo que parece ignorá-lo, já o demônio parece sorrir diante de sua angustia. Fecha os olhos e reza.

“São Miguel Arcanjo, protegei-me nos combates, defendei-nos com o vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Deus o submeta, instantemente vos pedimos; e vós, ó Príncipe da Milícia Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo procurando perder as almas. Amém.”

As 03h00minh da manha ao final da oração, um brado seguido de uma ventania sacudiu as telhas do cômodo, um cheiro de charuto impregnou o ambiente. A porta abriu e ouviu-se uma voz rouca cantou.

Oh Ganga
Rei da Quimbanda
Tranca Rua é feiticeiro
Pra vencer qualquer demanda.
Seu Tranca Rua o seu bode deu um berro
Arrebentou cerca de arame
Estourou portão de ferro.
Eh, boa noite
A hora é essa
Seu Tranca Rua já chegou
Agora é festa.

Viu que do lado de fora, sentado numa cadeira deixada por lá havia um homem sentado, na escuridão ele viu apenas seu corpo forte coberto com uma capa em tons preto e branco, com uma calça preta e pés descalços no chão. Em sua mão havia um tridente, que lentamente batia no chão e encostara a grade para acender um charuto.

O garoto não conseguia falar, era um misto de pânico com medo que o deixou imóvel.
- Medo meu filho? Não há de ter medo de mim. Não vim fazer mal.

O garoto continua em silêncio.

-Olhe, tem muita gente torcendo contra o que você faz e você parece ter medo. Esse medo é que te deixa assim.

Vim veloz pra te dizer isso, uma mensagem dos teus guias, não te afasta do caminho da luz. Agora durma.

-Uma risada medonha encerrou a conversa.

Acordou no dia seguinte com um pulo que disparara seu coração, assustado passou a mão na cabeça e riu, pensava com ele mesmo, mas que sonho estranho esse meu. Assim como de costume levantou-se e aos poucos foi se familiarizando, a tv estava ligada a porta aberta e viu a cadeira posicionada como no sonho. Não podia ser real.

Aproximou-se, sentou-se na cadeira pensando naquele absurdo, baixou a cabeça olhando para o chão e foi então que viu cinzas de charuto espalhadas. Um intenso arrepio lhe tomou o corpo e saiu de sua boca uma risada medonha, uma gaitada involuntária.

RIÁ, RIÁ, RIÁ!

Gabriel Pontes


EXU, O NOVO CONTO DE GABRIEL PONTES


Na vida, poucas pessoas nascem quase prontas. Mas em se tratando de Gabriel  Pontes, nada me assombra  ou deixa perplexo, porque antes de ser concedido e até mesmo  nascer,  ele nos foi prometido como algo novo que viria para mexer e remexer as consciências e fazê-las sair do obscurantismo, do atraso moral , ético e religioso que contaminou  e ainda contamina as gentes. 

Lendo um  de seus últimos contos, EXU, vi como ele progrediu na senda da Luz, mesmo sem ser afiliado a Umbanda ,diretamente. Em primeiro lugar, EXU é um Elemental controvertido pela religião ortodoxa  ou católica, que criou seus demônios para atormentar as almas, ao invés de libertá-las  pela razão e conhecimento.

Essas ditas religiões  que se apegam a letra e a forma e, que se intitulam “evangélicas”,comparam  EXU ao espírito do mau (SATÂ), porque precisam de u m bode expiatório para justificar seus erros e imperfeições . Para nós umbandistas  e até para os seguidores do Candomblé, BARÁ ou LEGBARÁ, ou EXU  É O MENSAGEIRO DOS DEUSES, ASSIM COMO HERMES, ERA O DOS GREGOS.

Para os umbandistas ELE representa a nossa esquerda  e é o responsável por nossa defesa.Não fora a superstição e o fanatismo religioso que vê demônios em tudo, e que tudo manda “queimar” em nome de Jesus ( que quando esteve na terra não condenou ninguém) -ele poderia ser comparado a eletricidade que tantos benefícios causa à civilização, mas que pode fulminar em segundos,  se for mau usada, sem os devidos cuidados que o controle de uma força requer.


Na verdade, todos nós temos um exu guardião na terra, ou um ” daimon” ,( espírito  "divindade") oculto em nossa ignorância, pequenez, superstição ou fanatismos.Somos seres bons e maus porque assim fomos criados. O que nos difere  um dos outros é a escolha a ser feita. Anjo ou demônio vivemos navegando na incerteza, até encontrarmos o  caminho da luz e o aceitamos  ou não.

Não é só a luz que nos salva. Ela nos eleva , e ao nosso Exu, no rumo dos mistérios, a busca  da expressão material e dons, e da espiritualidade, leve e radiante ,que nos encaminha ao Cristo Cósmico e a sua legisladora doutrina de amor e perdão!

Se fosse outra pessoa que escrevesse um conto de tanta beleza sobre esse Elemental eu diria: “Cuidado, com Exu não se brinca”! Mas em se tratando do conto do Gabriel  Pontes vejo a confirmação de sua vidência. É um ciclo da história mística que renasce e se perpetua e que nem todos terão olhos para ver. ÓRION LIMA- EDITOR




GABRIEL GARCIA MARQUEZ ESTARIA COM ALZHEIMER?


O NOBEL DE LITERATURA, 
SEGUNDO O AMIGO MENDONZA, 
PERDEU A MEMÓRIA




O Nobel de Literatura Gabiel Garcia Marquez, que ficou famoso no mundo inteiro com seu livro “Cem anos de Solidão, está perdendo a memoria, segundo seu amigo íntimo-, o jornalista colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, segundo informação do portal "Kien & Ke"...


Mendoza --autor de "Cheiro de Goiaba", que reúne recordações de Márquez, - deu a entrevista após conversas com a mulher do Nobel de Literatura, Mercedes Bacha. De acordo com o jornalista, o escritor não reconhece mais as pessoas.
"No dia em que ele completou 85 anos (seis de março), liguei para dar parabéns, mas quem falou comigo foi Mercedes. Ela preferiu assim porque ele não se lembrava de mim", afirmou ao site.

O britânico Gerard Martin, autor da biografia oficial de Marquéz, "Uma vida", já havia comentado o problema de memória em um livro sobre o escritor.

Mendonza também contou que o filho do Márquez, Rodrigo (que é seu afilhado), revelou a ele que o pai precisa ver as pessoas "porque senão, pela voz, não sabe quem está falando".

Na entrevista, Mendoza acrescentou que, na última conversa que teve com o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, o escritor teve dificuldades em recordar episódios e repete as mesmas informações repetidas vezes.

"Nas últimas vezes que conversamos pessoalmente, na Cidade do México, ele repetiu várias vezes: 'Como anda você? O que tem feito? Quando volta de Paris'? Muitos amigos comuns com quem falei sobre o assunto disseram que com eles aconteceu a mesma coisa. Gabo fez as mesmas perguntas. Existe a suspeita de que ele tenha algumas fórmulas. 

Se não reconhece alguém, não pergunta 'quem é você'? Prefere fazer perguntas genéricas. Dói muito vê-lo assim. Gabo sempre foi um grande amigo", disse Plinio Apuleyo.

O jornalista afirmou que o estado de Marquéz preocupa porque tanto a mãe do escritor quanto um de seus irmãos morreram de mal de alzheimer.



Hoje não importa mais.
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E agora me vejo assim, eu que sempre achei que as coisas haviam mudado de lugar. Percebo que vivo em um efeito narcotizante para me preparar para o novo baque a acontecer. Seria um baseado para ficar dormente? Ou para soltar a mente um LSD?

Vejo ao longe aquela velha história praguejada da vida que não se leva nada, do mendigo que a três dias não dorme ou do sábio filósofo embriagado na estrada. A ideia contagia-me. Esta sinfonia natural. Palavras do orifício anal. Pois hoje não me fazem nenhum sentido.

E este músculo reciclador de dores bate nos compassos do arrependimento de tê-lo tirado da minha caixa de artefatos banais, mas fui amar demais, pobre poeta. E volta a ser bisbilhotado, idolatrado, elogiado por bater minha meta de palavras celestiais. Palavras dos mesmos orifícios anais. Palavras que hoje não importam mais.

Encontro-me a implorar esta pobre graça, tento manter esta mente podre em funcionamento, assim como as máquinas que ‘remexem’ o cimento, ‘remexem’ os meus pensamentos infernais. Aqueles que hoje já não me importam mais.

E para por de meu velho consolo, coleciono mais um retrato a pedir socorro na parede gelada do meu quarto. E hoje ao me ver tristonho e confuso, torno minha mente em parafuso a esbanjar covardia, a alma fétida que batendo no peito sorria a maldizer o carma adquirido por seus ancestrais. Aquelas pobres criaturas nefastas, hoje, já não me importam mais.

E hoje percebo claramente que estudo constantemente minha vida como ela é, como ela é real. Não estudo somente por uma masturbação mental sem propósito, eu usufruo de meu próprio ócio sem me esforçar demais, para evitar as velhas frases anais que hoje já não me importam mais.

Embriagado  do vinho contemplo meu êxtase corporal, pois vinho não faz mal, a mim pelo menos não, este vinho faz bem ao coração e se foram 7 litros ou mais, hoje não me importa mais.

E o cigarro, pregos brancos de meu caixão, abusa de minha ilusão de dizer que podem desconfiar, pois aqueles que não têm o hábito de fumar não sabem o que é discretamente suspirar. E se suspirei ou não, todas as vezes que acendi meu cigarro revidei com o forte escarro hoje o que já não me importa mais.

E esses maldizeres todos me fazem indagar se ainda há algo belo em meu sorriso, se posso contar com o paraíso ao invés dos berços infernais. E se dessa vida tenho sorte, seja vida seja morte,
Hoje já não me importa mais.

Gabriel Pontes


                   

AMIGOS!

IGOR MOREIRA PINTO






ACONTECEU

             Grupo Chocalho comemora o Dia do Escritor


A data é nobre e lúdica. Segunda-feira, 25 de julho, o país comemora o Dia do Escritor. Para prestigiar aqueles que, com infinita criatividade, nos mostram a beleza da leitura literária ou a relevância do texto científico, o Grupo Chocalho promove solenidade em homenagem à data. O evento acontece na próxima segunda (25), na Academia Cearense de Letras.

Durante a solenidade será encerrado o I Festival Intercolegial de Poesia Estudantil. Com a proposta de levar para as escolas públicas e privadas um projeto de leitura e escrita, o Festival também buscou colaborar com a permanência e sucesso dos estudantes na escola, além de tentar descobrir novos talentos através da poesia.

 Estudantes regularmente matriculados puderam participar do Intercolegial. “Recebemos inscrições até o dia 30 de junho. O material recebido dava para fazer mais de dez livros de poesia”, conta o coordenador do Grupo Chocalho, Auriberto Cavalcante.

Na ocasião, para marcar o encerramento do Festival e premiar os participantes, também será lançado o Livro-Prêmio, “I Antologia de Poesia Estudantil”, que reúne as 100 poesias que mais se destacaram no Intercolegial. “O livro, sem dúvida alguma, é o prêmio maior.

 Foi publicado pelas Edições Chocalho e patrocinado pela Fundação Beto Studart. É importante ressaltar a participação da Fundação, porque precisamos de mais incentivo à nossa cultura por parte do setor público”, avalia Auriberto.

Sobre a repercussão do concurso, o coordenador do Grupo afirma que o resultado foi positivo. “O retorno foi muito bom. É uma coisa linda, recebemos material de crianças que dava para fazer dois livros. E isso mostra que é importante estimular, pois quando a criança é estimulada, ela responde. 

A gente ia às escolas e declamava poesias, elas adoravam e pediam mais, mais. E é esse o nosso trabalho. Precisamos formar leitores, porque só existe escritor se tiver leitor. Nós encontramos tanta poesia bonita e com nível literário, provando que os alunos estão sim interessados”, revela.

O Festival, informou Auriberto, percebeu grande receptividade por partes das escolas, onde até mesmo as mais distantes, no interior do Estado, mostraram interesse em participar do concurso. “O Festival gerou uma discussão grande nas escolas. Houve a preocupação em participar, discussão em sala de aula e alunos descobrindo a beleza da poesia. Teve muito estudante que escreveu apenas por escrever, mas não enviou o material. Isso prova que há interesse, só precisa estimular”, reflete. Vale destacar que todos os participantes do concurso receberão o certificado de participação.

Ainda no espírito das homenagens, o Grupo Chocalho concederá Troféus “Mérito Chocalheiro” para escritores, apoiadores, escolas que se destacaram no I Festival de Poesia e estudantes vencedores.
Mérito Chocalheiro

TROFÉU

Receberão o troféu “Mérito Chocalheiro”: Beatriz Alcântara; Fernando César Mesquita; Francisco Alace Mota Filho; Fundação Beto Studart; Ideal Club; Petrus Cariry; Sindicato Apeoc; Souto Paulino e Ubiratan Aguiar. 

-É importante reconhecer o papel de todos que contribuem com a cultura cearense. O nosso professor Souto, por exemplo, realiza um trabalho muito bonito na Agência da Boa Notícia, disseminando a cultura de paz.

 O Petrus é um jovem que está seguindo o caminho do pai Rosemberg no cinema. E cinema também é cultura e poesia. A Beatriz é uma grande escritora. O Sindicato da Apeoc está sempre apoiando o trabalho do Grupo, assim como a Fundação Beto Studart.

 O Ideal está completando 80 anos e sempre abriu as portas para a cultura. Todos que se envolvem com a nossa cultura, merece o nosso reconhecimento e agradecimento. E o troféu Mérito Chocalheiro simboliza isso”, explica Auriberto.

Os estudantes que obtiveram o primeiro, segundo e terceiro lugar dos ensinos Fundamental I, II e Médio, respectivamente, também receberão o troféu. 

E completando a lista dos homenageados, as escolas de Ensino Fundamental Padre José Arimatéia Diniz e Organização Educacional Farias Brito receberão o “Mérito Chocalheiro”, pelo destaque alcançado no I Festival de Poesia.

O Grupo Chocalho aproveita ainda o evento para marcar o início das comemorações do seu 27º aniversário, data celebrada em 4 de agosto deste ano.

Grupo Chocalho

Fundado em 4 de agosto de 1984, o Grupo Chocalho reúne escritores, artistas plásticos, jornalistas, fotógrafos, músicos, dentre outros, com o objetivo de defender e divulgar a cultura e a produção cultural, especialmente a cearense. Edita e lança livros e jornais. Saiba mais no blog: http://grupochocalho.blogspot.com/

Serviço : Solenidade em homenagem ao Dia do Escritor
Local: Academia Cearense de Letras (Rua do Rosário, 01 – Centro) ;Data: 25 de julho de 2011;Horário: 08h -Fonte: Agência da Boa Notícia - (fone: 85 3224 5509)






APRESENTANDO:



GABRIEL PONTES

Dizem que filho de peixe, peixinho é! E filho de escritor, jornalista? Escritor e jornalista será!. Acontece que em se tratando de Gabriel Pontes, sua precocidade, seu dom poético, sensibilidade às coisas do cotidiano triste e da vida de forma incomum, o lançaram para as letras, para o texto criativo, contos, poemas, cheios de ternura e com aquela dose de amargura que só os bons vinhos têm, talvez o absinto da alma criadora, perplexa, diante do ser  e do nada.

Sei que não pega bem “lamber a cria” para não envaidecê-la  ou  tirar-lhe  a autenticidade. Mas quem tem o dom de escrever, como o espinho logo vem ao furo e espinhos nascem para picar, para viver  entre rosas ou outros espinhos, entre ramos e folhagens, oculto ou visível, pois essa é sua missão.


E já que ele ainda procura se ocultar , guardando textos, poemas, contos tão lindos e puros resolvi lançá-lo aqui nessa página dedicada aos criadores de histórias,( meio a revelia, pois ele ainda não sabe), no JM JORNAL DO MUNICIPIO , que ele me ajudou a recriar, sem devassá-lo, pois estou copilando os textos do seu “famoso blog”, La Solitudine. (http://gabrielpontes.blogspot.com/)

Sou suspeito para falar de Gabriel Pontes, pois ele é meu filho e já me segue os passos com 18 anos. Estuda jornalismo na FIC e já estagia numa grande empresa de comunicação. Essa é a sua cara nova. O que quero lhes mostrar e sua cara “velha”, antes do jornalismo. É esse o Gabriel que mostraremos aqui, com seus escritos, poemas contos. Que os leitores ( internautas) tirem suas próprias conclusões.

 Espero que ele entenda minha intenção e não sinta vergonha do que cria. Os livros, os textos, poemas, escritos são "como os filhos, são do mundo", como os nossos  filhos, como dizia o poeta José Saramago. Temos que cuidá-los por muito tempo, até que saibam andar, ir e vir, por si sós.. Mas   o trabalho não termia ai , nem nunca: temos o dever de apoia-los nas coisas boas e ajudá-los a crescer definitivamente.



ELE
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O DEVORADOR DE SONHOS


Seu bar simples localizado numa rua não muito movimentada tinha o clima perfeito para aquelas pessoas que procuravam algo a mais que um simples bar. Era pequeno, mas aconchegante, até parecia que havia algo lá, uma energia pacífica que garantia seus clientes. Apesar de ser frequentado por um publico eclético ficava praticamente vazio nos primeiros dias da semana.
O dono era o único funcionário e executava a tarefa de garçom. Era um moço magrelo que parecia mais um dos visitantes, do que o dono do bar e já estava acostumado com aquelas figuras misteriosas que ali freqüentavam todos os dias. Mas de todos um sempre chamava atenção talvez por não tentar chamar atenção.


No balcão do bar o vinil tocava aquela música bucólica que o faz boêmio. Executando o seu misterioso ritual ele que não fuma acendeu um cigarro, ele que não bebe pediu uma dose e sobre aquela hipnose de Maria Rita cantando Cara Valente viu seu passado latente afogar-se no fundo do seu copo de cachaça.



Virou o copo de forma enérgica sem fazer aquela cara característica do ‘pós-gole’ de bebida forte. Pediu um cigarro ao garçom que ali depois do balcão fritava batatas a pedido de umas das mesas. Acende-o e deu uma tragada, a primeira, a mais importante de todas, por ser uma forma de suspirar sem que ninguém percebesse. Eis que ali o cara valente entregava-se ao seu medo, as suas dúvidas, as suas angustias.

-Mas quem se importa meu amigo cigarro? Sou só um fantasma de mim mesmo. Pensou sem esconder dessa vez o sorriso ao lembrar Nitz.

Pediu mais uma dose e contou suas moedas certificando-se que dava para voltar para casa de ônibus. Riu com ele mesmo por alguns segundos, breves segundos e voltou a entornar o copo desta vez sem raiva aparente. Bebeu em dois goles difíceis e sorriu. Olhou novamente o fundo do copo e se viu dessa vez. Não sorriu, preferiu ver o rosto dela mesmo sabendo que era o dele.

‘’-Por que ainda vejo teu rosto Sophia? Por que não em deixas em paz? ‘’

Pediu dessa vez mais uma dose, e a  degusta.

Aquele sabor amargo que queima sua língua durante algum tempo. Ele segura. Segura e engole. Lacrimeja. Eis a punição da língua maldita.

Ele para e pensa o que fazer se a cada dia que passa indigna-se com essa desgraça de ser. Que não se prestigia nem mesmo com um elogio, que não sabe se quer amar. Que tenta, mas não pode pedir demais, não pode cobrar a postura do bom rapaz. Tenta dar o melhor, mas é como dobrar a natureza das águias que contemplam sua superioridade sendo castigadas pela solidão que encontra sua existência

E assim como um buraco negro deixa de gerar sua energia e implode de forma que sua gravidade, imunda e egoísta, não deixa escapar sua luz. Mostrando para os outros somente a escuridão, o nada. E aqueles que tentam se aproximar são sugados e despedaçados sem nem perceberem. Mas eles não entendem, eles não entendem!!

Mas luta, estou de luto. Afastando-se cada vez mais dele mesmo, escondendo de quem o ama. A cada dia que passa suas lágrimas apagam as pegadas para que não saiba por onde voltar. Frases e palavras complicadas, poemas tristes repetidos como orações. Orando várias vezes baixinho, contemplando cada palavra como se fosse um mantra sagrado:

"Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.  Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja... E repete incontáveis vezes, enquanto para e pensa sobre esta existência.


Palavras complicadas em versos estranhos para explicar coisas simples, coisas que podem ser ditas com beijos, com gestos. Mas você não vê? Você não vê!?

E assim contempla a sua mendicância, quando lembra estar sentado numa praça vendo os cisnes se cortejarem e assim como ele, mas afastados, sentados nos bancos as mesmas pessoas sós, com o mesmo olhar apaixonado e dolorido, com o mesmo humor fúnebre e o cheiro do fumo impregnado nas vestes. Ah, como o fumo o liberta, sua forma silenciosa de suicídio, que mata aos poucos. E quem disse que tem pressa de morrer?

E quanto pensa, bebe e fuma, abraça sua quimera. Ele se venera como o devorador de sonhos, o devorador de seus sonhos.

Levanta-se triste e sem se despedir de ninguém deixa seu refúgio ao som de Jorge Ben tocando ‘O filósofo’, porque ele, mesmo sendo filósofo não pode falar das coisas belas e das coisas simples e não vê que o belo pode ser simples e o simples pode ser belo.




POEMA
Irmãs Parcas
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Anciãs lhe faço um pedido tristonho
Tece em minha vida uma linda flor de jasmim
E não mais um monstro bonito e risonho
A devorar cada pedaço do amor em mim

Neste tecido rasgado e ensanguentado
Tuas mão frias fazem dia a dia meu destino
Tece para mim neste teu gentil traçado
Ou deixa-me ser um deus, deixa-me ser divino

Trago das batalhas as cicatrizes
Tantas quimeras eu enfrentei
Tantos monstros, doenças e deslizes
Por várias vezes meu fio fino quase arrebentei

Vejo este amargo bordado
O forte cheiro do formol
Que preserva minha triste história
Narrada sempre a partir do por do sol


Irmãs Parcas detentoras do destino
Venha curar de mim esta ferida
E se não puder mostre a mim o fio fino
E corte o fio fino que tece a minha vida

Gabriel pontes



QUAIS OS MÉRITOS PARA SER UM IMORTAL NA ABL?

JORNALISTA MERVAL PEREIRA




O ESCRITOR ASSIS BRASIL MERVAL PEREIRA É O NOVO
IMORTAL DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

O jornalista carioca, MERVAL PEREIRA (foto acima), colunista de "O Globo" e comentarista do canal Globonews e da rádio CBN, tornou-se um dos nomes mais comentados nos meios literários do país : ele é um novo imortal da Academia Brasileira de Letras.

Sua eleição reavivou uma antiga discussão: quem realmente merece fazer parte da Academia Brasileira de Letras e quais os méritos da escolha?

Merval  Pereira, tem dois livros publicados, sendo uma reunião de artigos,( sozinho), e uma série de reportagens, em coautoria. Venceu com folga por 25 votos a 13, o escritor Antônio Torres, 17 obras publicadas, entre romances, contos e crônicas.

Enquanto isso, o escritor piauiense ASSIS BRASIL, duas vezes condecorado com o Prêmio Walmap de Literatura e autor de 122 livros publicados, já foi indicado várias vezes para ocupar uma cadeira na Casa de Machado de Assis  e foi preterido. 

Ou os acadêmicos da ABL não tomam conhecimento do que é editado no país, ou estão míopes e continuam a participar de velhos e carcomidos conchavos.

Se se dessem ao trabalho de ler a vasta obra desse laureado autor piauiense, membro das duas academias de sua terra, (a Piauiense e a Parnaibana), por certo fariam justiça ao  homem de letras, simples, que dedicou a vida  inteira  à literatura, vivendo dela e para  ela e por ela .

ASSIS BRASIL,  durante anos foi critico de Literatura do Jornal do Brasil,  e professor de Comunicação na ECO-UFRJ  e hoje mora no Piauí e sobrevive dando palestras em escolas e universidades. Continua  escrevendo e editando novos livros.

Por certo estariam boquiabertos “esses mortais”, com o vigor e a determinação criadora desse piauiense de Parnaíba, detentor de tantos prêmios nacionais e que, no entanto, ainda e injustiçado pela cúpula da Casa de Machado de Assis, que até hoje não escolheu seu nome para uma cadeira de “imortal”. E precisa mesmo?

Pelo jeito continua o mesmo critério para escolha de novos imortais na Casa de Machado de Assis, isso sem demérito do jovem jornalista Merval Pereira, meu colega de imprensa em O GLOBO em 1979: o critério da época da ditadura, onde general  ou escritor de “orelhas” de livros eram escolhidos como membros da Academia Brasileira de Letras. Lembram do General Aurélio Lyra Tavares ((31.08.1969 a 30.10.1969- 
Junta Militar) ?

Menos sorte também teve o escritor Agnaldo Silva, que jovem ainda, se candidatou a uma cadeira da ABL e foi vetado. E olha que Agnaldo é um excelente contista, um dos textos mais belos da literatura moderna brasileira, isso bem antes de ingressar como autor das novelas da Globo. 

E quanto outros escritores ficaram de fora nessa escolha de caráter politico e colonialista? É bom nem tocar no assunto!  

( JOSÉ MÁRIO LIMA)

VEJA A OPINIÃO DE  OUTROS AUTORES ao jornal Folha de São Paulo:

A nova controvérsia deriva, na verdade, de um debate tão antigo quanto a ABL, fundada em 1897. Em seu discurso naquele ano, Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos fundadores, defendia a expansão dos limites da casa.
"Algumas das nossas individualidades mais salientes nos estudos morais e políticos, no jornalismo e na ciência, deixaram de ser lembradas. A literatura quer que as ciências, ainda as mais altas, lhe deem a parte que lhe pertence em todo o domínio da forma."
A abertura é, ultimamente, uma política deliberada do presidente da ABL, Marcos Vinicios Vilaça.Shows de samba na sede e condecorações a boleiros se inserem nesse quadro.

CLUBE FECHADO

O crítico literário Fábio Lucas, membro das academias Paulista e Mineira de Letras e candidato derrotado à ABL em 2008, considera que a casa está exagerando na dose.
"As academias [a ABL e as estaduais] estão reunindo mais notáveis de outras áreas do que da literatura. É justo que aspiremos um maior número de escritores."

O romancista Cristóvão Tezza aponta que a diversidade resulta do caráter clubístico da ABL. "É uma instituição privada, um clube, que estabelece seus próprios critérios e vive sob o impacto de ondas políticas." Cristovão Tezza diz não ter a menor vontade de integrar o clube.

Apontado como candidato imbatível, caso queira concorrer (o que considera "fora de cogitação"), o poeta Ferreira Gullar, colunista da Folha, avalia que é difícil uma casa nos moldes da ABL se manter fora do jogo de interesses e pressões políticas.

"Não pertenço a nenhuma instituição para não ter de lidar com esses problemas. Já tenho problemas demais", diz, ressalvando que considera Merval Pereira um escritor e um homem inteligente.

O jornalista e acadêmico Cícero Sandroni, que já presidiu a ABL, destaca o componente político de uma eleição na casa. "O Merval é um homem da mídia, alguém que, na política brasileira, tem importância. Isso pesa para alguns acadêmicos."

Como convém à ABL, um lugar de políticos no sentido mais amplo do termo, mesmo os que votaram contra Pereira já o acolhem.

"Votei no Torres, mas não quer dizer que não queira o Merval. Ele vem nos ajudar a construir uma academia mais ampla", diz Sandroni.

"Nem sempre a academia elegeu literatos. Muitos jornalistas foram e são acadêmicos, inclusive meu antecessor na cadeira 34, Carlos Castelo Branco. Claro que recebo prazerosamente o Merval como meu novo confrade", disse João Ubaldo Ribeiro, eleitor de Torres. (Folha)





Domingo, 27 de fevereiro de 2011



BOBEEI, MÃE...




PASCHOAL GUIDA

AINDA NUMA NOITE DESSAS
O CÉU TAVA ZUNINDO DE TANTAS ESTRELAS
E EU NEM ME LEMBREI DE GUARDAR UMAS
PRA DAR A VOCÊ, NO DIA DAS MÃES...

EU BOBEEI.

MAS TAMBÉM SE ALGUÉM ME VISSE
TREPADO NO TELHADO, CATANDO ESTRELAS,
HAVERIA DE PENSAR:
- ELE TÁ FICANDO DOIDO!
ROUBANDO AS COISAS DE DEUS
PRA DAR PARA UMA MULHER?

MAS EU SÓ TERIA FEITO POR UMA SANTA
E GARANTO QUE DEUS, NEM IA SE INCOMODAR...

QUEM SABE ATÉ ELE PENSE IGUAL A MIM,
QUE TODAS AS MÃES SÃO SANTAS?
SENÃO ELE NÃO DAVA AQUELE JEITINHO
DE JESUS NASCER DE UMA MULHER!

MAS AGORA, TÔ PENSANDO... TALVEZ
A MINHA IDÉIA NEM FOSSE BOA.

QUEM SABE AS ESTRELAS FICASSEM
CHEIRANDO A COISA GUARDADA?

A NÃO SER QUE EU, É ISSO MESMO MÃE!

A NÃO SER QUE EU JUNTASSE AS ESTRELAS
A UMA PORÇÃO DE ROSAS!

AH, MÃE! EU BOBEEI! E SÓ VOCÊ AGORA
NO SEU JEITO DE SANTA
É QUE PODE ME PERDOAR,
POR NÃO TER UM PUNHADO DE ESTRELAS
COM CHEIRO DE ROSAS,
PRA LHE DAR...





PRA NÃO DIZEREM QUE
NÃO SEI O QUE É SAUDADE...

A SAUDADE É UM SENTIMENTO
QUE GOSTA DE FICAR VISITANDO A GENTE.
ELA CHEGA DE REPENTE
E ASSIM COMO CHEGA,
VAI EMBORA...

DE OUTRAS VEZES, ATÉ SE DEMORA,
FUTUCANDO, REVIRANDO COISAS
QUE JÁ ESTAVAM QUASE QUE ESQUECIDAS,
COMO SE BRINCASSE COM FOLHAS AMARELECIDAS,
PRESAS PELOS CANTOS DA NOSSA ALMA.

ELA ÀS VEZES NOS TIRA A CALMA,
E DE OUTRAS VEZES SE FAZ DE BOA,
E DE OUTRAS, POR UMA COISA À TOA,
NOS DEIXA COMPLETAMENTE TRISTE...

MAS EU ACHO QUE A SAUDADE
SÓ EXISTE MESMO
PRA CUMPRIR ESTA MISSÃO:
FEITO UMA BULIÇOSA CRIANÇA
REVIRANDO PÁGINAS DE LEMBRANÇAS
DENTRO DE NOSSO CORAÇÃO.

ELA ÀS VEZES VEM E CHEGA
DE MANEIRA TÃO DOCE
E LOGO VAI COMO SE FOSSE
UMA FORTE CORRENTE,
ARRASTANDO A GENTE
PARA OS TEMPOS DE CRIANÇA
QUANDO AINDA TÍNHAMOS A DOCE ESPERANÇA
DE UM DIA CONHECER UMA PRINCESA
NUM CASTELO ENCANTADO,
TODO ILUMINADO
E DE FRENTE PARA O MAR...
ONDE SÓ MORASSE A FELICIDADE,
E NUNCA, NEM A SOMBRA DA SAUDADE,
NOS FOSSE VISITAR...

DE OUTRAS VEZES,
ELA CHEGA TÃO MANSA
QUE SE PARECE COM A ESPERANÇA
DE UM NOVO AMANHECER...

MAS QUE NADA,
ÀS VEZES SÓ VEM MESMO
É PRA ABORRECER
E NOS DEIXAR A INDIGNAÇÃO...

A SAUDADE, ÀS VEZES É TÃO DESGRAÇADA,
CHEGA COMO QUEM NÃO QUER NADA,
E DEPOIS PERDE A POSTURA,
NOS ENCHE DE AMARGURA,
E REACENDE A SOLIDÃO...

OH! AGORA, POR EXEMPLO:
ELA ESTÁ MEXENDO
EM COISAS QUE NÃO DEVIA...
NAS LEMBRANÇAS QUE FICARAM UM DIA
DE UMA DOCE
E INCOMPREENDIDA PAIXÃO.

E EU NÃO ESTOU GOSTANDO,
PORQUE NESSA HISTÓRIA
TEM PÁGINAS E MAIS PÁGINAS DE BELEZA,
MAS TAMBÉM TEM DE TRISTEZA
E DE UMA GRANDE DECEPÇÃO.

PRA FALAR A VERDADE,
SE VOCÊS ALGUM DIA
JÁ SENTIRAM SAUDADE,
SABEM COM CERTEZA,
QUE TEM VEZES
QUE ELA É UMA MERDA,
PRINCIPALMENTE SE VOCÊ A HERDA
DE UMA FALSA PAIXÃO

NÃO VÊEM,
O QUE ELA ESTÁ FAZENDO AGORA?
SE EU PUDESSE A MANDAVA EMBORA
DIZENDO-LHE,
COM PEDRAS NA MÃO:
SUMA, DIABA ASTUTA...
VAI EMBORA FILHA DA PUTA,
BRINCAR COM OUTRO CORAÇÃO.




O SONHO DE ÍCARO...
SOB OS CÉUS DA MINHA TERRA

(POEMA DATADO DE 1979, POR OCASIÃO
DO 1º CAMPEONATO CACHOEIRENSE DE VÔO LIVRE)

HOMENS PÁSSAROS EM REVOADAS
CRUZAM OS CÉUS DA MINHA TERRA,
NUM SONHO TONTO DE LIBERDADE...
RASGANDO O VALE E A CIDADE
SOBRE O MACACU ENFURECIDO
OU ÀS VEZES, SERPENTE CALMA
QUE NUM MURMÚRIO ETERNO
DA TERRA POSSUI A ALMA
NO CAMINHO SEMI–LIVRE PARA O MAR.

VOAR SONHO LOUCO
QUE APRISIONA OS HOMENS...
E DESDE ÍCARO NOS CONSOMEM NA VISÃO...
O QUE SERIA LIBERDADE???

CONQUISTAR MONTANHAS?
DOMINAR PLANÍCIES?
VENCER A MORTE? GANHAR VELHICE?
NASCER DE NOVO A TODO INSTANTE
COMO UM PÁSSARO BRILHANTE
E PODEROSO COMO UM DEUS?

AH, PRA QUE SONHAR COM TANTA MAGNITUDE
SE TRANSCREVER PARA O PAPEL NEM PUDE...
O QUE SERIA LIBERDADE?

VESTIR-SE PÁSSARO
E SE JOGAR NO ABISMO,
NUM VÔO SOBRE A CIDADE
LIVRE PELOS CÉUS DA MINHA TERRA?
E QUANDO O SOL INCENDIAR A SERRA
NOS BRAÇOS O VENTO ADORMECER?

SONHOS LOUCOS
PERSEGUEM OS HOMENS...
SE NÃO FOSSE AS ASAS INVENTADAS
HOJE NÃO HAVERIAM REVOADAS
SOB OS CÉUS DA MINHA TERRA.
ONDE O “NINHO DOS PÁSSAROS”
HÁ TANTO ESTAVA PURO.

E NA ESPERA, PREPARADO...
JURO UM DIA TAMBÉM SER DESCOBERTO
PARA ENTÃO TAMBÉM PODER VOAR LIBERTO
NAS ASAS DOS ANJOS DA AVENTURA!




PALAVRAS A UMA DOCE

E VULGAR AMANTE...


MAS O QUE EU GOSTO MESMO
É QUANDO PULAS MINHA JANELA
E TE DEITAS NA MINHA CAMA
SOBRE MEU CORPO
ME ENCHENDO DE LUZ...

POIS QUASE NO MESMO INSTANTE
EM QUE VOLTAS PRA SER
MINHA AMANTE,
ME CONDUZ
POR CAMINHOS DE SONHOS
E DE ESTRELAS... ESTRELAS
QUE GOSTARIA DE MANTÊ-LAS
ACESAS NAS MINHAS MÃOS
FEITO UM BANDO DE VAGA-LUMES...
PARA QUANDO NOVAMENTE
ME DEIXASSES COM CIÚMES
E SOZINHO...

EU PUDESSE INFESTAR DE BRILHOS
O NOSSO NINHO
E AMENIZAR UM POUCO DESTA ESCURIDÃO,
QUE A TUA SAUDADE ENTREMEIA
TODA VEZ QUE MINH’ALMA TONTEIA
NA MAIS IRRESISTÍVEL
E INDISFARÇÁVEL SOLIDÃO...

E DAÍ ENTÃO,
AOS OUTROS POETAS EU PERDOARIA
SE ME ESFORÇA POR ENTENDER:

- QUE SENDO ASSIM TÃO BONITA,
NÃO DEVIAS MESMO NASCER SÓ PARA UM...

E, SE ÀS VEZES
EU TENTO NÃO SER EGOÍSTA,
É PORQUE SEI
QUE MUITOS ARTISTAS
EM TELAS
TAMBÉM GOSTAM DE TE PRENDER...

SEM FALAR NOS FOTÓGRAFOS,
ALGUNS METIDOS A SABICHÃO,
QUE COM MÁQUINAS-ALÇAPÃO
TE PEGAM E TE PRENDEM NO PAPEL.
E SEGUES ASSIM, EM LUA-DE-MEL,
SEM DESTINO,
COM QUALQUER UM...

COM CÃES VADIOS E SOLITÁRIOS,
COM ESPERTOS, COM OTÁRIOS,
COM MENDIGO, COM RICOS,
COM POBRES, COM LOUCOS,
COM BÊBADOS,
COM OS BOÊMIOS DA RUA...
E A TODOS TE ENTREGAS SEMPRE NUA
EM DESAVERGONHADAS
TROCAS DE PRAZER...

MAS AINDA ASSIM,
SER UM DOS TEUS AMANTES ETERNOS,
EU JURO.
E POR MAIS QUE O TEU AMOR
NÃO SEJA TÃO PURO,
EU FINJO NÃO ENTENDER...
MAS ALGUMAS COISAS
QUERIA DIZER
E TENS QUE ME ESCUTAR:

- EU VOU DEIXAR SEMPRE MEU QUARTO ABERTO
E TODA VEZ QUE PASSARES POR PERTO
NÃO DEIXES DE ENTRAR.

PROMETO NUNCA MAIS TE BOTAR DEFEITO
POR MAIS QUE O CIÚME, UM DIA,
ME VOLTE A QUEIMAR O PEITO
ISSO EU POSSO ATÉ JURAR.

POIS O QUE EU VOU QUERER MESMO,
QUANDO ESTIVERES NOVAMENTE NO MEU LEITO
É APENAS TE AMAR... AMAR... AMAR...

COM TODA A FORÇA DESTA PAIXÃO
QUE ME EMBRIAGA O CORAÇÃO
E ME FAZ SONHAR COM AQUELE DOCE INSTANTE
QUE FEITO FOGO ME CORRE PELO CORPO
NUM CALOR ALUCINANTE

O MEU SER AOS POUCOS VAI DEIXANDO DE SER ARROGANTE
ATÉ QUE POR COMPLETA E JÁ TÃO FRÁGIL
TODA A MINH'ALMA ENLOUQUECE E INCENDEIA...

AH!... POR MAIS QUE A TUA PRESENÇA NÃO SEJA CONSTANTE
EU VOU SEMPRE QUERER SER TEU AMANTE
MINHA DOCE E QUERIDA LUA CHEIA.




A PAZ QUE MINH'ALMA QUER

MERGULHAR NO CASTANHO-ESCURO
DOS TEUS OLHOS...

É COMO ME PERDER EM ABROLHOS,
TENTANDO DESVENDAR DE UM MAR IMENSO,
OS SEGREDOS...

É QUERER VIAJAR SEM MEDOS
PELAS PROFUNDEZAS DE TUA ALMA
Á PROCURA DE UM LUGAR DE CALMA
E PAZ

ONDE EU PUDESSE PENETRAR
E NÃO SAIR NUNCA MAIS.

FICAR SUBMERSO ETERNAMENTE
EM MEIO A UM TURBILHÃO DE DESEJOS,
FASCINADO COMPLETAMENTE
PELO CANTO E PELOS BEIJOS,
DE UMA SEREIA FEITO MULHER...

AINDA QUE SEJA
SOMENTE AQUILO QUE A MINHA CARNE DESEJA
É MUITO MAIS
É A PAZ
QUE MINH'ALMA QUER!


A BRISA E O POETA
Abençoada sejas,
Tu que me beijas
Trazendo o frescor das matas,
Das grotas úmidas, dos riachos,
Das cascatas...
E ainda de carona
No teu aroma o perfume
Das flores selvagens...
Há! Doce aragem...
És um bálsamo para minha alma,
E pro meu coração um conforto,
Faz de mim sempre o teu porto
Pois eu gosto de sonhar...
Com os pássaros cantando na floresta
Quando a aurora se manifesta
E o dia tá querendo acordar...
Gosto de ouvir as juritís, os inhambus,
As capoeirinhas, os macucos...
São como dezenas, centenas,
Milhares de cucos,
Querendo nos deixar de prontidão,
Em alerta...
Para a mais doce
Convulsão de beleza,
Aquela que se instala na natureza
Quando o dia desperta!
E como é gostoso também
Deitar à tarde em tua companhia
À beira de um riacho...
Sobre as folhas secas
Por debaixo da mata.
No coração,
É como um dique que explode,
Um nó que desata...
E a gente se deixa levar docemente
Pelo murmúrio das águas
Despindo a alma de todas as mágoas,
Querendo apenas lembrar,
Dos momentos felizes
Que deixaram as raízes
Querendo brotar...
E se de repente,
Ainda em tua companhia,
À noite me pega sem lua cheia,
As montanhas viram cadeias,
Onde posso, se quiser,
Aprisionar...
Milhões, bilhões, trilhões de estrelas,
Basta para isso, prendê-las,
Com o mandato
De um simples olhar...
Ah! Minha brisa querida,
Como é gostoso e embriagante
O teu perfume...
Às vezes até sinto ciúmes
Que em outros também
Tu possas tocar,
Fazendo o mesmo que
Fazes comigo,
Pois quando me abraças
Eu já não consigo
Parar de sonhar...
Com os mais doces instantes
Aqueles que se fizerem brilhantes
Pra nunca mais apagar...
Bendita...
Um bilhão de vezes,
Bendita sejas,
Tu que me beijas
Sem nada esperar...
Embora saibas e é bom que saibas:
Que qualquer dia desses
Me jogo definitivamente nos teus braços,
Deposito neles todos os meus fracassos,
E vou viajar...
Por outras galáxias...
Quem sabe, em outra dimensão?...
Mas, os meus rastros eu deixo no chão,
Pra que tu possas sempre beijar...
E assim, também eu em qualquer lugar,
Que estiver do universo,
Estarei sempre te mandando meu verso
Na primeira estrela que bilhar!...
Paschoal Guida






POLIDOR DE ESTRELAS

Quando chegar definitivamente
A minha hora,
E se por acaso um anjo bom vier
E me disser:
- Vem, vamos embora!
E se ainda por acaso,
Sem demora, em espírito,
Ele me levar à presença de Deus,
Vou pedir, pelos olhos teus,
Que me deixe tomar conta
Dos campos estrelados,
Vou querer ser mais um
Dos seus encarregados
Para polir estrelas...

E, assim, sei que ao vê-las,
Lembrarás de mim
Com alguma saudade...

Na realidade,
Quantas vezes,
Juntos ficamos
Por doces momentos,
Olhando o firmamento
Entre promessas e juras...

E como sei que não gostas
De noites escuras,
Vou oferecer-te ainda
As noites mais lindas
Depois que eu morrer...

Um amor igual a esse não se finda
Enquanto meu espírito viver.

E como sei também,
Que Deus gosta de fazer
As coisas sempre perfeitas,
Tenho certeza que serás
Novamente minha eleita,
Depois que esse mesmo anjo
Te aparecer.

Paschoal Guida





POBRE RIO MACACU...

Canhões de fezes
Detonam a todo instante
No teu peito...
Em um desrespeito,
Uma agressão
Desmedida
E sem compostura,
Teimam em denegrir teu leito,
Macular a tua alma
Que nasceu tão pura,
Do fundo da terra,
No alto das serras,
Entre escarpas altaneiras
Distribuindo nascentes,
De águas transparentes
Formando corredeiras
E nos desmanches das
Cachoeiras
Banhando corpos,
Matando a sede,
Até que te pegam na rede
De esgoto da cidade,
Onde a cumplicidade,
Pertence a todos nós,
Mas poucos importam
A tua voz...

Somente eu, no entanto,
Quando ouço o teu canto,
Me sento a teu lado
E fico calado,
Auscultando teu coração,
Tua agonia, tua dor,
Tua aflição,
As tuas mágoas...
E aí então,
O meu pranto
Semeio nas tuas águas,
Na esperança de te
Reciclar...
Eu sei que é tola e infantil
Minha atitude,
Mas quando lembro que pude
Outrora
Em teu límpido corpo
Me banhar,
Uma enorme e inevitável
Dor me toma o peito,
E desse jeito
O que sei é chorar...

Pela tua imundice,
Pela cretinice,
De toda essa gente,
Pelos governos
Incompetentes
Que nunca se sensibilizaram
Com teu gemido de morte...

E segues assim tua sorte,
Sob meu olhar brilhante,
Como se fosse um errante,
Levando pelos distritos:
Objetos,
Dejetos,
Detritos
Lixos
Bichos
De todas as espécies:
Gatos mortos, cachorros,
Galinhas e até cavalo...
Tudo num só embalo,
De presente para o mar.

Farta, nojenta e macabra
É a nossa oferenda...
Mas tem gente que não se
Emenda
E continua com a grosseria,
Com a descortesia,
Sem sequer ouvir tua voz...
Pobre de ti sem torrente,
Pobre de toda essa gente,
Pobre de Todos Nós!

Paschoal Guida
                                                       
                                                       




 ( Poema ) 
 Filhos são do mundo

José Saramago

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até

de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos.
Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto
aquele bebê que um dia levamos na barriga. E a maioria de nós pais
acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede de sofrer quando fazem
escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou quando eles próprios
sofrem pelas escolhas que recomendamos.

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de
como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores
defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter
coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém
pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da
incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.

Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então,
de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com respeito
aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas, porém, um
tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem, biológica,
sociológica, psicológica e emocionalmente.

E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam
retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice? Pensar assim é
entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são do mundo!

Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os
fllhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não
fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu
coração já é deles.
Santo anjo do Senhor...

É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e
aproveitar todos os momentos possíveis ao lado das nossas 'crias', que
mesmo sendo 'emprestadas' são a maior parte de nós !!!


"A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver " 
José Saramago


"Que a estrada se abra a sua frente.
Que o vento sopre levemente às suas costas.
Que o sol brilhe morno e suave em sua face.
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo, que
Deus lhe guarde na palma de suas mãos"




O MENINO QUE NÃO TEVE INFÂNCIA
ORION LIMA



Quando a mãe morreu ele só tinha oito anos de idade. O pai era comerciante e não entendia nada de educação, pois também não a teve. Seus pais eram rudes e sem muito saber. Ele se orgulhava em dizer que era filho de portugueses, mas casou com uma bela negra e com ela só teve um filho.

O menino depois da morte da mãe foi morar com duas tias velhas. Quando o pai casou de novo as tias velhas se retiraram do cenário, e a madrasta assumiu o novo lar e a educação do menino. Ali acabaram seus sonhos e dias de ser criança.

- Menino nessa idade tem que estudar e trabalhar – dizia a madrasta.

E o pai dele, vendo no filho uma maneira de ganhar mais uns trocados, o colocou nas feiras livres para vender verduras.

Assim acordava bem cedo, ainda escuro para pegar as verduras e vendê-las na feira.  O “bêabá” a madrasta é quem ensinava. Ela se orgulhava de dizer que “era professora formada”.

Era um tempo de carrancismo, onde a violência imperava na educação e aquele que não aprendesse a lição era castigado.

Com ela, ou se decorava a tabuada ou apanhava doze “bolos”, com a velha palmatória de “maçaranduba”, um tipo de madeira dura e cheia de farpas.

Ele sempre sonhava com a mãe que morreu tuberculosa. Não havia tratamento adequado para doença naquela época. E a doença a pegou de cheio, pois não se alimentava direito, devido aos maus tratos e as magoas que tinha do marido.

À noite, quando chegava da escola, mesmo cansado, o menino tentava brincar com carrinhos feitos de latas de sardinha. E dobrava a lingueta da lata dando-lhe a forma de uma boleia; fazia um furo na frente, amarrava um cordão e ficava pra lá e pra cá imitando um caminhão.

O tempo era de muito atraso e restrições. O País ainda sofria os efeitos da Segunda Grande Guerra e faltava quase tudo. Não existia luz elétrica e as lamparinas e lampiões é que iluminavam a noite.

 Até querosene faltava, pois era importado. O jeito era usar as lamparinas de carbureto, um produto utilizado em soltas, para a produção do acetileno. Colocava-se o carbureto de cálcio dentro da água e a reação libera o gás, que alimentava as luminárias.

Essa época ficou conhecida como  dos “gasômetros”.Os gêneros alimentícios eram escassos, o fogão era a lenha ou carvão. A carne tinha que ser consumida no dia ou salgada, pois não existiam geladeiras domesticas. As indústrias eram insipientes e artesanais. Quem tinha um velho radio, era considerado rico.

Lembrava da madrasta “salgando a carne e colocando em cordéis para secar ao sol”. O mesmo era feito com o peixe. Galinhas, frangos, só existiam em quintais e era comida para mulher quando “dava a luz.”

Nessa época terminou o ensino básico, que chamavam de “primário”, e trabalhava para ajudar o pai. O velho pai sempre foi vivedor e não tinha meios certos para sobreviver. Ora abria uma carvoaria, ora uma mercearia, so não ficava parado, pois era pau para toda obra.

Com a segunda guerra, aproveitou a crise para tirar proveito dela. Montou uma bodega e vendia de tudo. O dinheiro do apurado guardava dentro de um velho cofre que só ele tinha o segredo. Quando o abria pela manhã, dava para se ver as pilhas de notas arrumadas, uma ao lado das outras.

Gostava de criar animais. Na sua casa tinha tudo que é ave silvestre e até um urubu, que ele criou desde filhotinho. Durante muitos anos, Onofre, o urubu, voltava todas as tardes para seu poleiro no quintal. Quando o velho cortava carne, bastava bater tábua e o urubu descia para comer. Um dia juntou-se ao bando e nunca mais voltou.

O velho não era letrado, mas fazia de tudo um pouco: era mecânico hidráulico, encanador, eletricista, cavava poços artesanais, fazia cercas, e tinha uma mania obsessiva pelo trabalho. “Chegava a desmanchar uma cerca feita no dia anterior, para fazê-la novamente no outro dia, só para não ficar parado”.

Um dia cismou de comprar um macaco prego que lhe deu uma dor de cabeça danada. A casa onde morava era de parede “meeira”, - dividida com a outra, apenas por uma parede. Na casa do lado morava um português que tinha o hábito de dormir nu.

Um dia foi aquele escânda-lo: o macaco se soltou e pulou na rede do português, que acordou assustado e aos gritos ficou dando tiros no macaco, com uma velha espingarda socadeira.

Adorava a pesca. Saia de noite e voltava no romper do dia, com sacos de siris, caranguejos e peixes variados. Gostava de contar “causos”, estórias mirabolantes e inusitadas para seus fregueses. Com essas lorotas , tentava impressioná-los e fazer-lhes medo. Eram as velhas histórias de pescador:

“Não se esquecia do susto, no dia que viu um homem enforcado numa árvore... Da carreira que levou na mata, quando viu um homem com olhos de fogo andando próximo ao rio”. Verdade, mentira? Ninguém sabia, mas todos o ouviam com muita atenção!

Outra confusão que  lembrava das maluquices do pai: o velho tinha uma cadela e deu-lhe o nome de “seu cú”. A madrasta protestou:

- Isso e nome de se dar a uma cadela?

Mas ele, um gozador nato, dava risadas e ninguém ousava desobedecer as suas ordens. A cadela era mansinha e passava o dia inteiro dormindo na entrada da mercearia e nem ladrava. A todos conhecia.

Um dia uma mulher recém-chegada ao bairro, que não conhecia suas brincadeiras, entrou na bodega e a cadela começou a rosnar.

E temendo que a cadela mordesse a mulher, num tom bem sério disse:

- Dona, cuidado com “seu cú”,  que ela pode lhe morder!

A mulher ficou “irrada”, possessa, exigindo respeito a ela. E só a muito custo acreditou que “seu cú” era o nome da cadela e não um impropério que ele lhe estava dirigindo.

O velho gostava de fumar um bom charuto, depois do almoço ou jantar... De comer comidas gordurosas, do tipo rabada, mocotó de boi ou buchada. Eram comidas pesadas, “mas que davam sustança, força para o trabalho, dizia. Só que esse hábito lhe deixou, mais tarde, com arteriosclerose.

Assim o menino passou a infância, entre as grosserias do pai, a brutalidade da madrasta, trabalhando desde os oito anos, sem “infância” como costumava dizer. O pai justificava que só assim ele seria “um homem de verdade” e por isso não o dispensava da venda de verduras na feira.

O estudo era limitado e forçado pela a madrasta, que o maltratava de todas as formas. Tudo servia de protesto para castigá-lo. Na boca dela o menino não prestava e não ia dar pra gente: “era um negrinho inútil!”

Isso sempre foi um motivo de raiva para ele. Recordava cheio de magoa, muitos anos depois, as surras que levou com corda crua ou cinturão de couro, só por que era peralta como todo menino de sua idade.

Recordava o dia que amarrou um pedaço de papel no rabo do gato da madrasta e tocou fogo!

Era a maneira de se vingar dela. O gato subiu aos telhados em disparada, com o rabo em fogo. Por isso teve que dormir vários dias no mato, com medo da surra que levaria do pai e da madrasta.

A noite aparecia na casa das tias para comer alguma coisa e só voltou pra casa quando a raiva deles havia passado e, mesmo assim, com a promessa que o pai fez as tias, de “ não lhe castigar”.

Naquele tempo não havia calçamento nas ruas, o que imperava era o areal. Como morava próximo a praia, enchia os pés de “bicho de pé”.

A madrasta retirava “os bichos”, um a um, e depois batia com um tamanco nos ferimentos para que “ele não apanhasse mais bichos nos areais”, outra vez. Os pés ficavam inchados e ela os lavava com água quente e sal para que não “inflamasse”.

Não esquecia a promessa de sua mãe ao morrer:

- Nunca o abandonarei! E não abandonou.

 Isso se cumpriu por muitos anos, mas ele não podia falar o que via ou ouvia, se não o castigo da madrasta seria coisa certa.

À noite, quando deitava n a rede para dormir, ouvia a voz de sua mãe cantando “cantigas de ninar”. Ela balançava sua rede até que ele dormisse.

 Esse era o momento mais feliz daqueles dias de criança, ate crescer e descobrir o amor de sua vida: uma menina loirinha, filha de uma vizinha de seu pai. Namoravam escondidos e trocavam olhares pela cerca, pois a mãe dela não queria que a filha namorasse um “negro”.

O tempo passou e já estava homem formado, a guerra começava a ser vencida pelos aliados. Mas só deixou de ouvir o canto de ninar da mãe depois que casou e foi morar na sua própria casa.

O sofrimento dos tempos de menino nunca esqueceu. Tinham lhe marcado a alma. Era tímido, calado, e não sabia o que era um gesto de amor, um carinho, antes do casamento. A esposa passou a ser a mãe que não teve, pois lhe deu amor e muitos filhos.

Quando “bebia uma “pinguinha”, desabafava: dizia que a madrasta era uma megera, árvore que não deu frutos” e que merecia ser cortada e lançada ao fogo, pois ela não teve filhos com o velho.

E contava pra qualquer um, todo seu sofrimento, dos oito aos vinte um anos, quando casou e deixou a casa do pai. Ficara marcado com ferro em brasa como animal.

Gostava de dizer essa frase:

- Não tive infância!  Não tive infância!

Esse o seu lamento, a sua dor maior.

Bem que era verdade que não tivera infância, mãe, mas a vida o ensinou a trabalhar, a reagir de uma forma positiva. Cresceu por seus próprios méritos. Seu primeiro emprego foi como contínuo de uma farmácia, fazendo também a vez de zelador.

 Assim foi conquistando a amizade do farmacêutico e como era muito inteligente e observador, logo aprendeu a aviar fórmulas. Naquela época não existia em seu estado uma Faculdade de Farmácia.

 Como se tornara um “prático” precisava de um diploma para exercer a profissão. Teve que fazer o curso de Farmacêutico Prático, organizado pelo Ministério da Saúde, em sua primeira turma, e passou com louvor. A essa altura já criava suas próprias fórmulas, seus elixires, tinturas, pomadas, pozinhos mágicos que curavam mesmo.

 Todos no bairro o prestigiavam e sua fama correu pelo mundo de então, pois todos o tinham como um “curador”.  Onde morava era conhecido como Doutor, o médico dos pobres, num tempo em que a medicina se restringia a alguns hospitais e as clínicas médicas das sociedades beneficentes.

Todos o conheciam, todos o amavam. Passava uma confiança enorme a seus pacientes. Era capaz de “curar” com um copo d’água. E dizia que era orientado por “vozes” que não sabia explicar, pois também era “adepto do Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento”, que conheceu através de um livreto, mas que nunca o freqüentou...

Assim manipulando fórmulas, e atendendo como enfermeiro, criou os filhos e viu a maioria deles formados. Sempre foi muito apoiado pela esposa. Ela o ajudava em tudo e até aprendeu a aplicar injeções com ele.

Não ficou rico. Sua maior riqueza, “dizia ser o dom que Deus lhe deu”.  Sempre foi devoto de Nossa Senhora da Conceição, a quem chamava de “madrinha”. Quando chegava a casa para almoçar, antes acendia uma velinha aos pés da imagem da Santa. Morreu velhinho, com um sorriso nos lábios, cercado pelos filhos, cheio de netos e de amigos.

Essa história aconteceu num tempo de conflitos mundiais que terminaram em Hiroshima e Nagasaki e que se seguiu Século XX afora. De limitações, pobreza e dor, a história de um menino preto, pobre, sem mãe, que sofreu maus tratos e expiou dividas.  A história do “menino que não teve infância”, digno e útil, que cumpriu o seu destino, que, como acreditava, “já estava escrito”.




NOTÍCIAS LITERÁRIAS

ASSIS BRASIL :


O LAUREADO ESCRITOR PIAUIENSE


E SEU NOVO LIVRO: A CURA PELA VIDA




A CURA PELA VIDA


"Um livro belíssimo, que nos mostra
o homem culto, além do criador.


ORION LIMA


O que leva um homem a dedicar uma vida inteira a arte de escrever? São seus sonhos, desejos, vaidade, ou há algo de oculto nesse mister divino, a arte de contar histórias? Assis Brasil talvez tenha essa resposta, mas não quis nos dar, porque tem vivido uma existência dedicada a criá-las, como se fosse o nutridor dessa necessidade ,que o ser humano adquiriu, com a experiência tribal, ao lado das fogueiras ancestrais, até que surgisse a palavra escrita: contar histórias.

E não há nada que expresse mais esse dom, do que a capacidade de introjetar de si mesmo , a mesma dor, o mesmo grito, vagido dos que nascem e terão que se perpetuar e se tornar incomuns, para o engrandecimento da raça humana. Conheço Assis Brasil desde os meus tenros 21 anos, quando fui seu aluno na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje já passei da casa dos 60.

Sua devoção por escrever, criar, me contaminou e moldou por muitas décadas meu destino. Ouvi muitas histórias de Assis Brasil em primeira mão, quando eram ainda simples idéias e, comunguei com ele do sucesso de sua Obra, hoje grandiosa, ímpar e imortal.

Tentei seguir seus passos na literatura, sem imitá-lo, e terminei por transformá-lo, sem querer, em muitos personagens de meus livros inéditos, tão rica e viva era a lembrança de um homem moldado para a criação e para as letras, mais afeito aos caprichos da arte , do que das veleidades e vicissitudes de uma vida comum, tão pequena entre tantos, que buscam aqui, um lugar ao sol.

Ainda tenho sua velha maquina de escrever, máquina esta com a qual criou livros maravilhosos; o original de “O Sol, Deus e Shakespeare” , e um cem numero de recordações, de papos infindáveis sobre literatura, nos tempos do Jornal do Escritor e Revista Leitura. De nosso convívio amigável com Fausto Cunha, Samuel Rawet, José Louzeiro, Osmar Rodrigues Marques. Das viagens aos congressos literários e da rotina nas redações de jornais.

Foram tempos amargos e ao mesmo tempo felizes. Não tínhamos liberdade de expressão, mas éramos livres e vivíamos a mesma vidinha de sempre, entre sonhos, projetos literários. Só que Assis Brasil os concretizava, metodicamente, enquanto eu aguardava um novo tempo para nascer literariamente.

Ao abrir seu livro mais recente, “A Cura pela Vida”, foi como tomar um banho lustral na aura “maldita” que encobre os criadores e vi que Assis Brasil não mudou muito desde nosso último encontro, no inicio da década de 90 , quando fui casar no Rio, e em sua casa fizemos uma espécie de "despedida entre velhos amigos". E com que força essas palavras me lembraram esse dócil escritor, profícuo nas letras, mestre da criação literária, criador de tantos personagens:

“Sou um homem infeliz.

Não demorei muito a me convencer disso na senilidade de um final de vida. Não vou escrever minhas memórias, pois sobre elas ou por meio delas nada tenho a dizer. Falo sobre o meu presente, na infelicidade de sentimentos talvez acumulados durante toda minha existência.

A vida é longa, ao contrário do que muitos pensam ou sentem. Fico espantado quando descubro que jovens de dezessete, dezenove anos são brutamente mortos, assassinados por pessoas medíocres e sem futuro. A vida também é fúnebre”.

Ao ler esse trecho do inicio de sua obra, descobri o fio da meada de nossas antigas conversas literárias, onde obra e o criador se misturam, criador e o criado são um só,pela necessidade de entender a si mesmo e aos outros. O que nos sobra é essa angústia, esse sentimento embutido, ao verificarmos a transitoriedade de tudo e o glorioso ou lastimável fim que nos aguarda.

Assis Brasil tem esse dom maravilhoso de nos conscientizar através de sua arte. Motivado, novamente por sua obra, este ano terminei meu primeiro livro “Das Coisas, da Vida e da Morte e de Chico Asa Baixa e escrevi mais dois outros: Histórias da Crucificação e Viagens, Sodoma pede Socorro. Assim terminou um ciclo começado em 1968, quando fui seu aluno no Rio.

E mesmo sem ser crítico literário, ao ler sua nova obra, descobri um novo Assis Brasil, talvez mais filósofo, profeta, visionário e um pouco mais amargo, facilmente identificado – para quem o conhece a fundo, - como tudo que criou ao longo desses 30 anos: o mesmo menino que se banhava no rio barrento de sua Parnaíba, no seu Parnaíba encantado. A mesma eterna Luiza, prostituta envelhecida, que tanto o marcou em Beira-Rio, Beira Vida, ainda é viva em seus sonhos.

“Um dia ela o contou que seu homem foi embora e o menino entendeu que ele – o homem dela- desaparecera silencioso como o rio”. E ela ficara sem o seu protetor, guardião. E muitos anos se passaram: o menino cresceu, mudou de cidade, ficou famoso. E finalmente voltou para ver o seu velho rio, cheio de nostalgias e sofrimentos, em busca de Luiza, envelhecida e triste, que sofrera por amor e ainda vagueia em suas lembranças.

Eis, pois, a síntese de uma imensa obra que começou com “Os Verdes Mares Bravios”, o seu primeiro livro, toda ela permeada pelo humano ser, cheio de filosofias e sem explicação para os mistérios que nos amedrontam e atormentam: talvez como disse Baudelaire, “a ferida e a faca, a vitima e o algoz.” E de nada adianta apelar para Edgard Allan Poe, em múltiplos diálogos e devaneios. O que vemos ao longo de “A Cura pela Vida” é essa necessidade de saber “o que virá depois”.

Um livro belíssimo, que nos mostra o homem culto, além do criador. Aquele que sabe brincar com as palavras de uma maneira criadora, usando o saber de tantos, para alertar nossas consciências. Um reflexo da sociedade brutal em que vivemos, estruturada nos moldes do mal, que habita em todos os corações e que convive com nossa hipocrisia e mediocridade. Oculto em seus mágicos diálogos, há uma tentativa desesperada de “escapar” do destino atroz que a todos aguarda - a espera de um novo corvo que repita as suas mesmas sábias palavras: “Nunca mais!”


Quem somos

JM JORNAL DO MUNICÍPIO - JM JORNAL DO MUNDO - Orgão Sócio-Cultural de Utilidade Pública em Defesa da Cidadania nos bairros e municípios brasileiros. Diretor–Editor–Responsável:José Mário Lima. Reg. Prof.12418 DRT-RIO. Secretário Geral – Gabriel Pontes.Designer Gráfico- Alice Farias Lima.Layout e Criação – Gabriel Pontes. Secretário de Edição: José Mário Lima.COLABORADORES: Colunistas :Celina Côrte Pinheiro,Nilmar Marques (Cap.Nil), Orion Lima, Santos Sá,Henrique Soares,Assis Brasil; JM Reportágens: (Equipe)Henrique Soares,Gabriel Pontes e Santos Sá; -JM Cultura:(Equipe)- Publicidade (JML) - Movimento Estudantil: Gabriel Pontes. JM Esportes: (equipe)- JM Literatura: Assis Brasil. Notícias dos Bairros: Henrique Soares,Amil Castro; Sociedade-artesanatos: Martha Lima.Culinária : Lili(Faraó-Cacoeiras-RJ). Correspondentes: Redenção: Nice Farias;Irauçuba: Swami Nitamo;Teresina e Parnaíba: Assis Brasil;Estado do Rio de Janeiro (interior): Nilmar Marques - Cachoeiras de Macacu: Paschoal Guida. Rio,(Capital): João de Deus Pinheiro Filho. *As opiniões emitidas em artigos assinados são da inteira responsabilidade de seus autores.